Serraria da Prefeitura (Zabot)

SERRARIA DA PREFEITURA

Serraria da prefeitura. Isso mesmo. Prefeitura de Joinville.  Lá no pé da serra Dona Francisca às margens do rio Seco; espécie de âncora, desdobrava madeira para obras públicas. Antes fora, se não me engano, da família Lopes Pereira.  E madeira de qualidade – início da década de 1980 -, não faltava. Canelas de várias espécies: amarela, branca, guaica, nhoçara, garuva, preta, entre outras; e, peroba, angico, cedro, cabriúva, olandin, canafístula, paú-jacaré, louro-da-serra, maçaranduba, ipê, guamirim, guatambu, tarumã, e assim por diante. De livre escolha. Conforme o uso, o corte. E na lua certa – lua minguante -, aí não caruncha.

Quando se fala em ciclos econômicos, obviamente o ciclo do pau-brasil salta aos olhos, pois marcou época em nossa história. Mas, certamente, temos outros ciclos madeireiros, com outras espécies que foram decisivas no desenvolvimento do setentrião brasileiro. Caso da imbuia e da araucária, explorada intensamente ao largo da ferrovia São Paulo/Rio Grande do Sul, especialmente no Paraná e Santa Catarina. Cada bioma nacional possui uma gama de espécies dominantes forjadas ao longo da evolução destes ricos ecossistemas. No caso da mata Atlântica, um nicho fabuloso de espécies nobres, praticamente as reservas exauriram-se no apagar das luzes do século XX.  De lambuja, sobrou o bioma amazônico, a última fronteira madeirável, mas com severas restrições, embora alguns inescrupulosos com visão meramente predadora.

Via de regra, na colonização, as serrarias chegavam primeiro nos sertões. Abriam clareiras na mata virgem, e, ali, eram instaladas.  A máquina a vapor a impulsioná-las. Nem todas, pois havia aquelas movida por força hidráulica, bastante comuns. É célebre a serraria da família Vogelsanger na região da Vila Nova, Joinville, construída à duras pena pelos irmãos Jacob e Michael. Para montá-la tiveram que, por um longo período serrar madeira na região da Lapa, Paraná. Pelo trabalho, recebiam pipetas de ouro. Há uma série de ductos que ainda ali permanecem. Dão uma mostra da engenhosidade dos pioneiros.

Outra serraria da família Kreutzfeld no alto da serra, no rio do Júlio, foi transformada em atrativo turístico: pousada e restaurante. Um primor de ambiente.

Lá nas bandas de Iporã, oeste paranaense, era famosa a serraria do Luís Bosso, mais tarde prefeito.  Invariavelmente a máquina a vapor, logo cedo apitava, início das atividades, e na hora do café e do almoço, e também no final do expediente. Embora a 10 quilômetros de distância ouvia-se o apito estridente. Quando o tempo estava para chuva, subia o tom. Ia bem além.

O pátio apinhado de toras chamava atenção. Catraquear uma peroba de dimensões robustas e erguê-la no caminhão exigia habilidade. Em torno da serraria, via de regra, formava-se uma vila.  Casario. Comércio. Muitas cidades surgiram assim Brasil afora.

Aqui em Joinville, segundo Apolinário Ternes, o ciclo da madeira foi decisivo na fase inicial da colonização. Empregabilidade certa. Acumulação de capital.  A serraria do Príncipe de Joinville, destacava-se, mas havia dezenas delas espalhadas em todos os recantos da colônia. Algumas voltadas à exportação. O bairro do Bucarein, próximo da zona portuária (rio Cachoeira), concentrava depósitos nada modestos. Rio de Janeiro e Buenos Aires, os mercados mais cobiçados.

Esse ciclo, no entanto, em razão da sobre-exploração, exauriu-se. Obviamente o modelo era insustentável.

Mesmo assim, pequenas serrarias permaneceram, caso da serraria da prefeitura. Lembro-me bem, o orgulho dos pirabeirabenses com aquela serraria. Nilton Krelling e Young Cercal, da Intendência de Pirabeiraba, a tocavam à plena carga. Mal dava conta de atender as demandas do município.  Serravam pranchões à rodo, pois as pontes de madeira predominavam.  Posteriormente – substituindo-as -, vieram as galerias e o concreto armado.

Não há, no entanto, como esquecer: nos meses de inverno, quando o combate ao borrachudo era suspenso, os aplicadores de larvicida partiam para a mata – Morro do Borba – e cortavam toras. Estoque de madeira para o ano todo. Extraia-se apenas o necessário. Hoje, chamavam de manejo florestal. Questão de semântica, obviamente.

E (pasmem!) durante o ano todo, de acordo com a frutificação das espécies, coletavam sementes para o viveiro da Fundação 25 de Julho. Viveiro de nativas. Bons tempos aqueles.

 

Joinville 5 de abril de 2020

Onévio Antonio Zabot

Engenheiro Agrônomo

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