Síntese histórica de São Francisco do Sul
De acordo com a história oficial, São Francisco foi descoberta em 5 de janeiro de 1504, por uma expedição francesa, sob o comando de Binot Paulmier de Gonneville. Em sua “Declaração de Viagem”, o comandante relata a descoberta de uma grande terra, tendo a nau “Espoir” ancorado em um rio, que descreveu “quase como o Orne”. O local citado teria sido o chamado Rio São Francisco, como foi denominada inicialmente a Baía Babitonga.
Esta teria sido também a primeira alusão à Baía Babitonga, cujo nome vem da definição dos indígenas, provavelmente derivada das palavras guaranis “mpopi”, morcego e “tang”, novo, tenro. Segundo o historiador Carlos da Costa Pereira há também a versão de que a denominação carijó era “Bepitanga” de que “Babitonga” é uma corruptela e que para os indígenas significa “terra bonita”. Goneville revela ainda que a terra era fértil, de fauna abundante, variedade de peixes e árvores, habitada por índios carijós, que se mostraram amistosos com os visitantes.
Na segunda década do século XVI – entre 1515 e 1519 –, navegadores espanhóis procuravam uma passagem para as Índias pelo Sul da América. Numa dessas expedições encontrava-se Juan Dias de Sollis, hábil navegador e um dos mais conceituados cartógrafos da Espanha no século XV. Entre seus feitos destacam-se o descobrimento da Península de Yucatan e da embocadura do Rio da Prata. Ao chegar ao local, Sollis confundiu a baía com um rio – o que de rotina acontecia na época com os rios sul-americanos, pelo seu tamanho e volume de água – batizando-a de “Rio São Francisco”. A denominação “São Francisco” permaneceu, mas pouco se registrou a respeito de Juan Dias de Sollis. É que seu nome foi aportuguesado para João Dias e poucos sabem tratar-se da mesma pessoa. “Juan” ou João, além de dar origem ao nome da cidade, fez amizade com os carijós, projetou uma fortaleza, onde hoje está o Forte Marechal Luz, entre outras atribuições, o que lhe mereceu diversas homenagens.
Descoberta por franceses, cobiçada por espanhóis, colonizada por portugueses e açorianos e enriquecida pela cultura de alemães, italianos, holandeses, árabes e outras etnias, a história de São Francisco do Sul foi e continua sendo escrita a muitas mãos.
A localização geográfica estratégica de São Francisco, já na época do Brasil Colônia, mereceu atenção especial do Império, e seu privilegiado porto natural sempre teve papel marcante na trajetória política, econômica e social de toda a região.
A ocupação efetiva de São Francisco do Sul deu-se a partir de 1660, com povoadores vindos dos campos do Sul, denominados bandeirantes. Então se instalou um regime de grandes propriedades rurais, com mão de obra escrava e de agregados, que, no entanto, não obteve o sucesso econômico esperado.
No decorrer do tempo as terras originalmente pertencentes ao Distrito de São Francisco se constituíram em núcleos de povoamento que, desmembrados, hoje são os municípios de Itapoá, Garuva, Barra do Sul, Araquari e Joinville, todos no entorno da Babitonga, permanecendo o Distrito do Saí, no continente, lado oposto da cidade.
Foi ali que, entre 1842 e 1847, foi escrita importante página da história: a experiência “fourieista” de implantação de uma colônia composta por aproximadamente 217 franceses, liderados pelo médico homeopata Dr. Benoit Jules Mure. Pretendiam fundar um “Falanstério”, ou seja, uma habitação coletiva, destinada a ser o centro de uma vida em comunidade, com propostas alternativas ao capitalismo vigente. Por diversas razões a colônia não teve êxito. Porém, ainda hoje, se encontram na região descendentes de “falansterianos”, principalmente na Vila da Glória que, além da importância que delegam àquele episódio, defendem o Distrito do Saí como berço da homeopatia no Brasil. O Dr. Mure trouxe da França os conhecimentos da medicina homeopática, chegando a criar um projeto para a instalação do Instituto Escola Homeopática no local.
A par desses acontecimentos, São Francisco do Sul crescia e desenvolvia sua economia com base em duas frentes: de um lado a agricultura das fazendas com trabalho escravo e do outro as atividades marítimas e portuárias. As famílias das fazendas possuíam casas no centro da cidade, para facilitar as suas presenças nos acontecimentos de destaque, nos fins de semana.
São Francisco do Sul viveu, por diferentes períodos, intensa vida social e cultural. Para tal encontrava respaldo na movimentação política e religiosa, sempre com a presença dos marinheiros, em passagem pelo porto da cidade. A gradativa extinção das fazendas e a crescente movimentação do porto foram criando novo perfil econômico para São Francisco do Sul.
No início do século XX, a construção da Estrada de Ferro ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul permitiu grande expansão de toda região, pela facilidade de escoamento da produção agrícola de grãos, exportados ao mundo via Porto de São Francisco. Porém, nas décadas de 1940 e 1950, verificou-se novo período de recesso em São Francisco do Sul. A situação precária dos ancoradouros na Baía Babitonga e a demora da construção do novo porto desviavam os produtos de exportação para outros destinos, comprometendo o desenvolvimento econômico do município.
A partir de 1970, a construção do novo porto intensificou a movimentação em São Francisco do Sul. A instalação de grandes silos graneleiros, a modernização dos equipamentos e das atividades portuárias, a multiplicação das agências marítimas e a emergência do turismo como atividade econômica trouxeram uma realidade promissora e otimista, motivando a instalação de grandes empresas multinacionais nas imediações da cidade.
Praias de inigualável beleza, munidas de infraestrutura, embarcações para passeios na baía Babitonga e o Centro Histórico encantam turistas de todas as regiões e aumentam em número a cada ano. São 500 anos de história e o futuro pela frente.
Fontes:
COSTA PEREIRA, Carlos. História de São Francisco do Sul. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1984.
BOITEUX, Henrique. O Falanstério do Saí. Revista do Instituto Histórico e Geográfico.
- THIAGO, Raquel. Fourier, Esperança e Utopia na Península do Saí.
Vida portuária de São Francisco
São Francisco e a atividade portuária formam uma simbiose inseparável desde o tempo dos índios Carijó, que nas águas buscavam o seu sustento. Das velas dos descobridores e conquistadores de novas terras; das embarcações intercontinentais carregadas de madeira e erva-mate; do glamour dos luxuosos navios em viagens de recreio; daquelas embarcações, familiares aos francisquenses, torpedeadas e naufragadas durante as guerras; dos apitos conhecidos à distância, dos trapiches no cais da Babitonga; dos passeios e flertes de fim de tarde, dos casamentos de moças francisquenses com tripulantes de outras nascenças, da guardamoria.
A história portuária de São Francisco do Sul revela uma sucessão de fatos envolvendo muito trabalho, luta por direitos, decepções por negócios perdidos, alegrias por conquistas econômicas e por obras realizadas. No contexto inserem-se o homem e a mulher francisquenses, sua interação com a condição de vida, com a natureza, com a tecnologia mutante e, sobretudo, sua intensa relação com o mar.
Não à toa que a cidade é detentora de um dos maiores e melhores portos do Brasil, cuja história vem sendo acompanhada por sucessivas gerações. Vivenciaram a criação de projetos, os avanços e refluxos das obras, exultando com o progresso e condoendo-se com as constantes paralisações durante cerca de setenta anos. Mas, perseverantes, os francisquenses têm, atualmente, a satisfação de possuírem este porto internacional, que, por meio de sua movimentação de cargas para o mundo, incrementa a economia da cidade, da região e do Estado de Santa Catarina.
Incontáveis histórias e acontecimentos não revelados povoam uma trajetória de mais de quinhentos anos da longeva São Francisco. Umas se esvaecem no decorrer do tempo, outras se transformam em novas histórias, proporcionalmente ao número de vezes que são contadas, adquirindo novos formatos e sobrando-lhes apenas algumas centelhas do seu conteúdo original. É a riqueza do imaginário popular, que amolda os fatos ao seu próprio gosto e deleite. São memórias vivas, consistentes, vagas, esparsas, entusiasmadas, nostálgicas, presentes, humoradas, distantes ou anuviadas pela idade, como o papel amarelado pelos anos, cujas letras estão quase ilegíveis com o pó acumulado pelo tempo.
Mas são estas as fontes preciosas, que, com todas as suas intermitências, contam a história desta cidade, a história que é delas, do jeito que a viveram (ou não a viveram), do jeito que a ouviram, do jeito que lembram ou leram…; não importa, do jeito que a sabem. Mas estão ali, com sua invisível presença, entretendo reuniões de família, divertindo grupos na mesa do bar, intercalando os turnos da estiva no porão do navio ou acompanhando navegadores para espantar a solidão em alto mar.
Existem registros dificilmente acessados por via direta, senão batendo em portas, na expectativa de que, ao serem abertas, alguns segredos se desnudem e cheguem ao nosso alcance. É preciso procurar, perguntar, observar, repetir, confirmar, comparar, gravar, escrever, para, de letra em letra, frase por frase, compor uma história. Informações podem estar escondidas nas páginas rotas de um velho jornal, nos detalhes quase apagados de uma fotografia, nas entrelinhas de um documento, nas anotações de um velho calendário ou, quem sabe, confinadas dentro de uma garrafa ou nas dobras de uma carta de amor.
Memórias… pudera registrá-las todas, para que não se percam nas ruelas empedradas, ou flutuem no ondular da Baía Babitonga até desaparecerem, acompanhando o zarpar de mais um navio, em mais uma viagem, a mais um destino, como já vem acontecendo durante centenas de anos…
Fizemos o livro “História do Porto de São Francisco do Sul”. Fruto de um logo processo de buscas, entrevistas e pesquisas. E para que chegasse a bom termo, contamos com o apoio de muitas pessoas. Retrocedendo aos arquivos das suas memórias, os nossos entrevistados trouxeram à baila fatos e acontecimentos relacionados à trajetória do Porto. Eles fazem parte de um grupo de pessoas que viveram intensamente o movimento da navegação marítima em São Francisco do Sul, no advento da construção do complexo portuário atual. Conheciam cada embarcação pelo ronco do motor e pelo apito, ao entrar na barra. Sabiam o nome dos comandantes e tinham amizade com a tripulação. Hoje vivem relembrando memórias e têm prazer em revelá-las às gerações mais jovens. Suas histórias são de muita dureza no batente, mas lembram com saudade as empresas em que trabalhavam. A todos eles muito obrigada! E que esta história continue com a mesma riqueza de fatos e de realizações, e que mantenham a honrosa trilha iniciada, logo após o descobrimento do Brasil, nos idos de 1504…
Como disse o poeta Fernando Pessoa que encontrava no mar inspiração para lindos poemas como este:
[…] Ah! o Grande Cais donde partimos em Navios-Nações!
O Grande Cais Anterior, eterno e divino!
De que porto? Em que águas? E porque penso nisto?
Grandes Cais como os outros cais, mas o Único […].