Tempo de mudança (Joel)

Tempo de mudança

A perfeição é breve. Levarei de agosto a imagem derradeira dos sabiás una, um dos esplendores de nossa farta natureza. Jamais os vira tão próximos, diariamente com seu azul retinto quase negro, como pequenos recortes voadores daquela cor derradeira que se forma no encontro entre o céu e o mar recém anoitecidos e ainda patinados por pigmentos de ciã. Os bicos alaranjados como um sol derradeiro das tardes invernais. Tive-os por todo inverno, avistados como a comporem uma cena de tapeçaria da Pérsia Antiga. As auréolas dos olhos amarelecidas, enlaçam ao humílimo tugúrio onde escrevo seu puro mistério, uma dádiva posta à vista apenas dos ouvidos imaginosos do Sultão Shariar nas mil e uma noites maviosas de Sherazade.

Agosto é a janela de mudança onde tudo se renova. É um tempo instável, no dia 21, tivemos nevasca na serra – a surreal, sublime e sensorial Serra Catarinense – no domingo seguinte, toda languidez das praias ensolaradas, pernas ao mar, curvas de areias e carnes, esculturas de brisa, recompondo a morenice entranhada em nossa formação. Setembro é o rosto de nossas expectativas, nele despejamos as carências betacarotênicas e o desejo de renovação, como um mantra num templo budista. Debruçamos nossas janelas sobre os ares de setembro como quem lança uma tarrafa sobre as águas, há nele um coração que aguarda atrás da porta, rouco e descompassado pulsando na garganta do tempo.

Dediquei o último domingo de agosto às mudas de ipês, embaúbas, abacateiros e até um pinheiro do Paraná foram deitadas à terra com essas mãos nunca suficientemente limpas de meu chão ancestral. O jasmim de Julieta – trazido por Lair das arcadas de Verona – solta folhas muito tenras, que protejo das formigas talhadeiras com sucessivas camadas de borra de café. A amoreira mais parece um exótico animal felpudo com seu carregamento de minúsculos frutos. Concentra-se nas amoras geradas no seio vacilante de agosto as maquinações da dulcidão futura. Desejo um setembro pleno de voo sem asas; no bojo das demoras, o tempo certo das arribações e o arrojo novo.

 

crônica de Joel Gehlen, AN, 1 de setembro 2016

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