Texto presente para Sueli Brandão (Marinaldo Silva)

 

Texto Presente para SUELI BRANDÃO

Por Marinaldo de Silva e Silva

 

No natal de um ano qualquer da década de 1960 uma menina ouvia o canto de um senhor, um canto que parecia um lamento. A menina, que tinha passado o dia a fazer flocos de neve com o mesmo algodão com que se tira o esmalte das unhas, aprendia naquele momento, a ressignificar. Ela não sabia ainda, em sua Minas Gerais, que um dia seria imortalizada por meio de três palavras com conceitos bem mais amplos hoje em dia: Livro, Leitura e Literatura. No texto em que ela apresenta essa história, a menina Sueli, Brandão por herança e por hierarquia, já está imortalizada. De todo jeito já ficaria pelo que tem contribuído, queira ou não, amigos ou inimigos de batalha, com a história da cidade, na construção de um evento tão fundamental, e tão cria do afeto.

Na condição de escritor, e parceiro dessa constelação de palavras que somos,  e que formam o nosso clã, não sabia que ela foi professora na mesma escola onde fiz meus quatro anos primários. Alguma coisa acende enquanto escrevo, ouvindo Chopin para criar uma conexão com esse tempo, com aquele tempo, com Sueli que conheço tão pouco, que antevejo na lembrança, eu a procurando para pedir emprego, eu recebendo seu apoio para trabalhar na Feira, depois sendo convidado para escrever, declamar, rasgar o verbo sem nunca rasgar a poesia. Elegante, resguardada por um olhar que flecha, Sueli tem olhos poderosos. Imagino trazer consigo absorções dos protagonistas com quem tomou café, percebendo quem é quem, bem de pertinho:! Colassanti, Ruben Alves, Monica Bonfiglio, Leonardo Boff, Lázaro Ramos.

Sueli, esse texto presente é muito pessoal, porque a Feira do Livro da nossa cidade, desde quando era feita na praça Nereu Ramos, é um amontoado de lembranças pessoais de gentes diversas, além de mim: caravanas: corredores cheios, crianças correndo, adereços, livros gigantes de madeira, escritores satisfeitos, outros como eu, algumas vezes enciumados, declamações verborrágicas, homens vestidos de duendes, cantores buscando o olhar do público quando este lhe nega o ouvido, a salinha da imprensa escondendo a personalidade que vai lotar a plateia, professoras escolhendo histórias, feirantes entusiasmados, tapetes coloridos, línguas molhando páginas, gente aprendendo a ler com os dedos, gente satisfeita, sessões de autógrafos concorridas, outras com o isolamento de quem começa, a solidão de quem espera uma oportunidade de mostrar a sua assinatura, Dona Zelãndia em seus últimos tempos aguardando pessoas para a sua estreia como escritora, escolas mostrando suas particularidades, personagens caracterizados nos humanos, humanos vestidos do que há de mais límpido, transparente e ávido: a capacidade de transportarem-se para um universo invisível, e crível. O seu trabalho, as críticas que sofreu, os louros que ergueu, os lugares que esse trabalho te levou, essa feira que você fundou é o marco, é a lira, é a joia, será a memória que irá se misturar com o teu rosto, quando lá adiante, lembrarem de ti.

 

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