Textos Vencedores do Concurso Carlos Adauto Vieira – 2º lugar Ensino Médio

A Academia Joinvilense de Letras tem a satisfação de apresentar os textos dos estudantes vencedores do 3º Concurso Literário Carlos Adauto Vieira, realizado em 2022.
O concurso é promovido pela Academia Joinvilense de Letras e conta com o apoio do Instituto Carlos Roberto Hansen.

2º lugar – Ensino Médio

Pobre ciclo, de Ísis Victhória Vogel Kieper

Professor responsável: Tauann Calil Medeiros

Colégio dos Santos Anjos

 

Pobre ciclo

 

No quarto com armários cobertos por grossas camadas de poeira acumulada sobre a madeira velha e fraca, oca e devastada por cupins ( é que naquela casa ninguém ocupava-se em limpá- la, tanto que não só o quarto, mas em todos os cômodos da casa, um cheiro de estrume de bananas e laranjas podres misturava-se ao odor de leite azedo), encontrava-se num colchão rente ao chão uma mulher esquelética e com a pele demasiadamente enrugada deitada de lado com os olhos abertos e virados para cima. Sua boca estava levemente aberta e por ela escorria fios grossos de saliva. Estava molenga e não tinha forças para se levantar. O piso era de uma cerâmica quebrada devido ao mau acabamento que deram ao construir tal moradia de alvenaria que mais parecia-se com a casa de uma família de ratos.

O jardim era repleto de um mato alto e por não ser tão verde, mas seco, dava um aspecto sombrio ao local que muitos acreditavam estar abandonado. A construção a que me referia localiza-se no morro Alto do Glória numa cidade com flores mortas e assim era conhecida por todos da região, o ar era tão úmido e seco que tudo que ali nascia murchava e ninguém se importava, pois a vida não lhes era importante e tampouco a morte.

A senhora que jazia doente no leito improvisado chamava- se Miranda e aguardava a filha que trabalhava como servente em um bar próximo dali, uma moça jovem mas cujo semblante cansado e rígido dava- lhe a aparência de uma mulher de cinquenta anos, quando na verdade possuia trinta. Ela subia o morro corcunda e desajeitadamente, os olhos azuis fundos e os braços e pernas pesadas, era como se estivesse carregando cimento nos ossos e articulações. Os músculos de sua face eram duros e seu maxilar, preso. Uma raiva recôndita ela guardava consigo, um ódio de si mesma.

Ao dar- se de frente com o médio portão de alumínio, que devia ter uns dois metros de altura, mas que ninguém sabia que era de alumínio (uma vez que o limo tomara conta de sua superfície e ela extremamente enegrecida e completamente opaca assemelhava- se a chumbo, uma vez que apenas quem a via abrindo- o poderia constatar que não o era ou suas forças físicas não suportariam tamanho esforço. Por ser uma rua quase deserta, apenas uns três vizinhos viam raramente tal cena, uma vez que a moça retornava do serviço por volta das três horas da manhã, tão logo o bar funcionava das cinco da tarde às duas e meia da madrugada, geralmente. Os horários não eram muito fixos e ordenados já que quem os estabelecia nunca estava por perto, costumava deixá- la no comando do estabelecimento e mandava- se para festas nas quartas- feiras e nas sextas. Nas segundas, terças e quintas sumia completamente e ninguém nunca o via em parte alguma. Era um abastado que tinha um comércio de tecidos, toalhas e roupas de cama. O bar era apenas para sustentar seus constantes jogos na loteria, diziam que ele passava horas por dia elaborando estratégias de jogo e sequências de incontáveis números.), a moça com o pé esquerdo apoiou- se com o mesmo entre duas hastes do portão, apenas empurrando- o um pouco para baixo para abrir este que era emperrado e um tanto descarrilhado, o suficiente para empacar com as rodinhas, mas devido a um suporte pregado junto ao muro que não o deixava cair, evitava- se catástrofes humanas e ocasionalmente animais, uma vez que não chegava a esmagá-los.

Passando pelo terreno similar a uma selva de plantas desbotadas e pés de silva, e enchendo a calça jeans azul gasta e a blusa de manga curta de cor acinzentada de carrapichos, além de fazê- lo é claro, com sua pele ressecada e com seu cabelo seboso e com cheiro de cachorro molhado pela água da chuva, que vai de lixeiro em lixeiro buscando alimento e inundando seus pelos cada vez mais na sua solidão e amargura, foi que ela entrou pela porta de madeira.

Então caminhou até o quarto onde se encontrava a mãe e um cheiro forte de mijo sobrepunhava- se sobre o odor de estrume misturado a leite azedo em um recinto no qual as janelas permaneciam sempre fechadas.

Miranda estava encharcada com a própria urina e encontrava- se na mesma posição de antes, estava gelada e a saliva cessara por um instante de escorrer. A filha encarava- lhe assustada e ela foi aos poucos fechando os olhos.

A jovem, sentindo- se comovida, deitou- se ao lado da senhora agora completamente imóvel, e envolveu sua carcaça com os braços. Começou enfim a inundar os próprios olhos de lágrimas e decidiu em sua homenagem deleitar- se no mesmo sono e aos poucos foi apagando, assim como as plantas murchavam até tornarem- se mórbidos enfeites daquela cidade, e era assim, que lá viviam e morriam as pessoas.

 

Ísis Victhória Vogel Kieper

 

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