Um anjo caiu do céu (Alessandro)
Um anjo caiu do céu
As Operações Veraneio são momentos especiais no ano dos Bombeiros Militares e da Polícia Militar. As primeiras Operações Veraneio datam da década de 1960, onde bombeiros faziam a função de salva-vidas em algumas praias da capital.
Com o tempo, o crescimento da população e o aumento da procura pelas belas praias de Santa Catarina, a necessidade de proteção dos banhistas e da população nas cidades litorâneas foi aumentando. Vieram as mudanças de doutrina e emprego operacional, tanto pela PM quanto pelo CBM, onde o foco na prevenção sobrepujou o foco no resgate. Em 2003, com a emancipação do Corpo de Bombeiros Militar, houve uma imensa evolução na Corporação, que inovou em diversos aspectos, fazendo mais com menos. Criaram-se os Bombeiros Comunitários e o projeto de guarda-vidas civis ganhou novo fôlego, vindo a ser fundamental seu emprego nos dias de hoje.
Deixando o macro mundo dos resgates e prevenções, vindo ao micro mundo da atividade do Batalhão de Aviação, temos como base histórica o início de atividades na Operação veraneio em 1986/87, com a locação de uma aeronave da fabricante americana Bell, modelo Jet Ranger III. Apesar da emancipação do CBMSC, a PMSC manteve em sua doutrina o emprego das aeronaves em missão multimissão, permanecendo as atividades de busca, salvamento, resgates e combate a incêndio, não se restringindo a apenas a área policial.
Um fato curioso, é que desde que se passou a registrar os dados sobre a Operação, todo ano ao menos uma pessoa é salva durante um dos patrulhamentos preventivos realizados na orla. Todos marcantes, que ficam para sempre gravados na retina daqueles que puderam participar e fazer essa diferença na vida de alguém.
As prevenções rotineiras efetuadas pela Aviação Policial Militar, em apoio ao Corpo de Bombeiros, são precedidas de um criterioso estudo de situação, que vai desde os horários de maior incidência de afogamentos, dias da semana, composição meteorológica com tábua de marés e até os locais onde existe o maior número de ocorrências. Partindo destes dados, em sua maioria fornecida pelos Bombeiros, é feito um voo de aproximadamente uma hora na parte da manhã, e outro na parte da tarde. Muitas vezes esse planejamento é alterado, devido aos acionamentos para atendimento de ocorrências de urgência e emergência.
Um desses municípios litorâneos com maior índice de arrastamentos é a bela Itapoá. O nome vem da junção de palavras de origem indígena, Itá, que significa pedra, e Poá, que é ponta, em referência a uma pedra que existe no centro da cidade. Cidade com características marcantes e atrativos que vão além do banho de mar. Entre cachoeiras, mangues e locais para prática de esportes náuticos, como surf e pesca, agracia seus visitantes com seus 32 quilômetros de litoral. Tem praias com as mais diversas características. Assim que deixamos para trás a paradisíaca Praia do Forte em São Francisco do Sul, (administrada pelo Exército Brasileiro) cruzamos o canal que dá acesso aos Portos de São Francisco do sul e Itapoá, e já estamos sobre a praia do Pontal da Figueira. Esta praia tem por característica as águas calmas e serenas, tendo ainda em seu entorno uma bela vegetação nativa, que dá um ar bucólico e nostálgico ao lugar. Ali, apesar de já ter havido afogamentos, sua incidência é muito pequena.
Seguindo sentido norte, chegamos à praia de Itapema do Norte. È o local onde os banhistas mais frequentam, tendo em orla as famosas três pedras. Não é incomum ter que socorrer jovens que saltam da primeira pedra, esperando a onda “encher” e cair de ponta. Indo em frente, voamos até o limite com o Estado do Paraná, onde fica a Praia da Barra do Saí. Local de mar agitado, muito frequentado por praticantes de surf. Entre os rios Saí Mirim e Saí-Guaçú, existe uma ilha de mesmo nome, repleta de manguem com animais e pássaros nativos da região de Mata Atlântica. Na foz de ambos os rios, amantes da pesca se arriscam na tentativa de capturar um robalo.
A primeira passagem marcante que vem à memória foi um patrulhamento ocorrido em 2006, ou 2007, se não me falhe a memória. Recordo que os Tripulantes Operacionais Multimissão eram o sargento Edson, hoje capitão da PMSC, e o Soldado Carpes, atualmente Cabo. Ambos estavam em suas primeiras “Operação Veraneio” e ainda não tinham atuado em nenhum salvamento aquático.
O mar naquele dia estava revolto, com a passagem de uma frente fria. Estávamos no meio da tarde, por volta das 15 horas. Quando passamos cerca de uns três quilômetros da Praia do Pontal, avistamos uma senhora de idade com um daqueles “espaguetes” de espuma na mão, tentando alcançar para uma criança que estava sendo arrastada. Chegamos em cima, e quando a senhora viu que iríamos interceder se afastou. A criança nesse momento já se afastara mais de cinco metros mar adentro, sendo sugada por uma corrente de retorno. Sargento Edson, já atento, em questão de segundos estava saltando do helicóptero ao lado da vítima. Submergiu, agarrou a menina e a trouxe a tona, nadando e a rebocando para a praia. Pousamos na areia e fomos dar o atendimento pré-hospitalar para a criança. Por sorte, estava sem sinais de afogamento, e após captarmos os dados dela e da avó, retornamos para o patrulhamento. O Edson, quando caiu na água, por ser ainda muito próximo a arrebentação, e com a característica de ser raso naquele local, bateu com os pés no fundo, e perdeu uma das nadadeiras. Por sorte, não se lesionou. A euforia tomou conta de todos, pois além de ser o primeiro salvamento de ambos, fomos bem sucedidos em salvar uma vida, e uma vida de uma criança. Mas ainda não havia terminado.
Seguimos sentido norte, passamos a “muvuca”, apelidado carinhosamente de “piscinão de Ramos”, em alusão uma praia ambiental situada na Praia de Ramos, no Rio de Janeiro, que ficou famosa por aparecer em novela de horário nobre. Ocorre que o “piscinão” fica entre as três pedras da praia de Itapema do Norte, e no verão, especialmente em datas como final de ano e carnaval chega a não haver espaço na água, tal é a densidade demográfica naquele local. Por ali tudo em ordem. Salva-vidas na areia, fazendo seu habitual ritual de prevenção e orientação.
Chegamos enfim ao final do patrulhamento, na Praia da Barra do Saí. Normalmente, voamos até a foz do rio Saí-Mirim e contornamos sobre o rio para retornar em velocidade maior que a de prevenção, mas também monitorando a praia, para caso avistemos alguma situação de risco para os banhistas, retornamos e intercedemos. Ao fazer o contorno, sobre o rio, já avistamos dois banhistas tentando atravessar a nado até a parte insular, que fica cerca de 20 metros de distância. Um deles estava conseguindo chegar à outra margem, mas o outro, na tentativa de retorno, começou a submergir. Notamos que estava se afogando. Imediatamente, o Carpes, tomou posição na barca e saltou. Deu cerca de três braçadas e já alcançou o banhista e o levou até a margem em segurança. Aquele rio é relativamente calmo, mas naquele dia estava com um grande volume de água vazante, o que o tornou perigoso para a travessia. Apesar de ter engolido um pouco de água, o banhista agradeceu a imensa sorte que teve em ter a aeronave passando por ali naquele exato momento. Como quando o vimos, estava apenas com o antebraço para fora da água, e o corpo já todo submerso, o Cabo Carpes ainda fez uma brincadeira com ele, dizendo que apesar dele já estar “dando tchauzinho”, não era hora de ir embora. O detalhe, é que o Carpes também perdeu a nadadeira, sendo que tínhamos dois tripulantes com uma nadadeira cada, sendo as duas do mesmo pé. Tivemos que dar um pulo na Base para recompor o material extraviado.
Como já dito antes, todos os anos tivemos ao menos uma pessoa socorrida em patrulhamento. Lembro também de uma vez em Penha, bem no través do Parque Beto Carreiro, quando o Cabo Dorivaldo Luiz foi o resgatista. Pousamos no quintal de uma casa, para posterior embarque do tripulante. A praia toda aplaudiu a guarnição. Assim como o menino, retirado pelo Cb Carpes na Praia Grande em São Francisco do Sul. Momentos emocionantes, gravados na retina.
Dentre tantos outros, o mais recente também merece registro. Em janeiro de 2020, mais precisamente no dia 18 de Janeiro, outra vez mais tivemos a fortuna de poder interceder no destino de alguém. Na praia de Itapema do Norte, cerca de uns 200 metros do local mais movimentado, nas três pedras, uma família de Curitiba preparava-se para ir embora. A mãe, solicitou à filha de 12 anos e ao sobrinho de 14 que fossem até a beira da água para se banhar, e assim retirar o excesso de areia que estava grudada em todo o corpo. Areia esta, fruto de muitas horas de descontração, alegria e brincadeiras. Em questão de segundos, mesmo no raso, as duas crianças foram surpreendidas por uma corrente de retorno, que as puxou mar adentro.
A equipe já estava retornando, após ter ido até a Barra do Saí, até aquele momento, sem alteração. Tínhamos passado pela situação, quando o Cabo Mello pediu para que retornássemos.
Comandante, tem duas crianças sendo arrastadas, e um adulto tentando alcançá-las, disse assertivamente o Cb Mello. Nenhum guarda-vidas havia percebido. Era o instante dos acontecimentos.
Em parcos segundos estávamos pairando sobre a situação. O adulto, percebendo que a aeronave ia prestar o socorro, afastou-se. O novato, Sd Rank, em seu segundo salvamento, lançou-se na água, já avisado de que era raso, e teria que encolher as pernas para não lesionar batendo no fundo de areia.
Em uma braçada, interceptou a pequena Anabelle, e a conduziu em segurança para os braços da mãe, que a essa altura já estava desesperada na beira da praia. O primo, em relato posterior quando em visita à Base, disse que só conseguiu sair após ser empurrado pelo vento produzido pelas pás do rotor principal. A família chorou emocionada, e para nós, aquela sensação de leveza e alegria que demora um bom tempo para passar. Só quem sente sabe.
Por muitas vezes temos que conviver com o sentimento inverso. O de tristeza e frustração, quando somos acionados para um salvamento e quando chegamos à vítima já está desaparecida, submersa. Outras vezes, apesar de submersa, conseguimos com nossos mergulhadores e com os guarda-vidas do Corpo de Bombeiros Militar, retirar da água e após além do tempo protocolar, tentando reanimar, perdemos a pessoa. E esse sentimento, essa dor, também só sente que sabe, quem lida com isso na profissão.
Felizmente, Anabelle está bem, saudável, cheia de sonhos e vida pela frente. Sua frase, após ser salva, ficou na história da Unidade. “Um anjo caiu do céu para me salvar!”
Na imagem ao lado, perceba o momento em que o Sd Rank sai da água com Anabelle e seu primo ao lado.
Alessandro Machado
Foto: acervo do autor.