📚”Carl Parucker: A crítica em forma de poesia” (Cristina)

A crítica em forma de poesia

Atuante na Colônia Dona Francisca durante meio século,  Carl Parucker registrou em versos satíricos e bem-humorados seu olhar sobre o mundo em que vivia

Maria Cristina Dias

Durante mais de meio século, Carl Parucker atuou na vida política e administrativa da Colônia Dona Francisca. Foi coletor imperial, juiz de paz, delegado de polícia, advogado, professor, funcionário da direção da Colônia, entre muitas outras funções. Mas foi com a sua pena que registrou um olhar peculiar sobre o mundo que vivia. Poeta e escritor, ele deixou inúmeros poemas repletos de sarcasmo e bom humor, onde abordava temas que pulsavam na segunda metade do século 20, na ainda recente colônia. A imigração, a escravidão, a liberdade religiosa, o trabalho árduo e a política foram alguns dos assuntos que permearam seus poemas. Um conteúdo redigido à mão, em alemão, ainda não traduzido e pouco conhecido, mas que lhe rendeu a distinção de patrono de uma das cadeiras da Academia Joinvilense de Letras, em 1969, e contribui para o entendimento dos primeiros tempos de formação da cidade.

Nascido na Saxônia em 1826, Carl Julius Ludolph Parucker estudou Teologia, Filologia e Direito na Universidade de Leipzig, entre 1845 e 1853. Neste período eclodiram os movimentos revolucionários de 1848, na Europa, que tiveram grande impacto nos estados alemães. Não se sabe exatamente qual a participação do então estudante no movimento, mas ele trabalhou no escritório de advocacia de Ottokar Doerffel, em Glauchau. Doerffel participou ativamente daquele momento político e chegou a ser julgado por isso. Em nota publicada em dezembro de 1926, como “Notícias Locais” e traduzida por Helena Richlin, do Arquivo Histórico de Joinville, o “Kolonie Zeitung”, o principal de Joinville na época, lembra os 100 anos de nascimento de Parucker e indica as circunstâncias de sua imigração. “Ele, assim como tantos outros jovens alemães, passou a se unir devido ao clima de perseguição das autoridades e de tantos outros problemas. Carl Julius Parucker, que depois de concluir seus estudos, trabalhava no escritório de advocacia de seu amigo Doerffel, em Glauchau, decidiu-se pela emigração, igualmente ao amigo, que se encontrava na mesma situação desagradável, apesar de ambos terem sido declarados inocentes por parte do tribunal”.

O certo é que em 1854 ele desembarcava em São Francisco do Sul e se instalava na Colônia Dona Francisca. Pouco mais de um mês depois, chegavam personalidades como Ottokar Doerffel e Eduard Trinks, que também marcaram a vida intelectual e política do lugarejo. “Era amigo de Ottokar Doerffel, da faculdade de Direito de Leipzig. Vieram para não serem punidos. Não há comprovação de que tenha participado do movimento de 48, mas era amigo de Doerffel de lá”, explica o advogado Ruy Parucker, bisneto de Carl Parucker.

Nesta época, sua vocação de escritor já aflorava. Nestas mesmas “Notícias locais” é citada a existência de uma publicação com poemas de cunho político, escritos naquele período. “Seu entusiasmo pela unificação da pátria e das ideias de liberdade daquele tempo, por si só, se refletiram em uma brochurinha repleta de belos versos”.

Assim que chegou na Colônia Dona Francisca, Carl Parucker começou a lecionar. Ele se naturalizou brasileiro em 1856 e, segundo o livro “Famílias Brasileiras de Origem Germânica – subsídios genealógicos”, neste mesmo ano foi nomeado  “por despacho do governo imperial, professor de primeiras letras”. A década de 1860 foi de idas e vindas. No início dos anos 1860 foi para Desterro, a atual Florianópolis, também para dar aulas – desta vez de alemão e geografia. De volta à colônia, foi funcionário da direção da Sociedade Colonizadora de Hamburgo e depois tradutor oficial na Diretoria de Imigração do Rio de Janeiro. Quando, no início dos anos 1870, voltou para Joinville, atuou como advogado e assumiu a direção do “Kolonie Zeitung” em 1871 e 72, quando Doerffel, por motivos de saúde, teve que se ausentar. Pouco depois disso, em 1874, foi nomeado procurador da Câmara Municipal. Também foi chefe do Partido Conservador e atuou como delegado de polícia e Juiz de Paz, por diversas vezes. De 1886 até a queda da monarquia foi coletor Imperial.

Em 1875 foi supervisor em Joinville do recenseamento populacional realizado pelo governo Imperial. Neto de Jorge Parucker, terceiro filho de Carl Parucker, Ruy Parucker conta que o bisavô era responsável pelo recenseamento. Ao final dos trabalhos sobrou dinheiro e ele não teve dúvidas: devolveu ao governo. A honestidade lhe rendeu a condecoração “Imperial Ordem da Rosa”, concedida pelo imperador Dom Pedro 2º. Ruy informa, porém, que esta condecoração se perdeu.

Carl Parucker também atuou ativamente na vida social. Casado com Pauline Trinks, com quem teve 14 filhos e dezenas de netos e bisnetos, ele participava da vida cultural e religiosa. “Ele era luterano. Ajudou a construir a Igreja da Paz e minha avó fundou o Coral da Paz. Mesmo com 14 filhos para criar, ela ainda arrumava tempo para ir à igreja”, constata Ruy.

O “Kolonie Zeitung”, em suas “Notícias locais” também destaca esta participação:  “Tinha um interesse especial pela igreja e pela escola. Assumiu, juntamente com sua esposa, a direção da Escola Alemã [Deutsche Schule], que naquele tempo era muito coesa, a qual, sob sua direção por longos anos, retomou uma ascensão gratificante. Ele, por muito tempo, também foi membro do Conselho Administrativo da igreja”. Sua atividade foi intensa na segunda metade do século 19 e ele faleceu em Joinville, logo no início do século 20, em 10 de abril de 1902, aos 76 anos.

 

O Brasil pertence aos brasileiros

Em seus poemas, Carl Parucker revela um pouco da realidade política e social do imigrante. No poema “Brasilien Gehoert den Brasilianern”, “O Brasil pertence aos brasileiros”, traduzido por Helena Richlin, ele enaltece as belezas e o potencial do país que escolheu para viver, mas clama por liberdade religiosa e pelos direitos civis dos imigrantes. Critica ainda a escravidão, que considera uma “herança maldita” e afirma que “para sua grandeza [do País] só faltam as mãos”. Com isto, reforça a importância do trabalho do imigrante para a construção do País.  E repete como em um refrão, o que traduz a sua causa: “E não o diga aos exortadores impacientes: O Brasil pertence aos brasileiros!”.

Humor e sátira permeiam seus escritos, muitos dos quais permanecem atuais. Como em “Die Gruene Brille”, “Os Óculos Verdes”, onde um homem astuto coloca óculos verdes em seu burro velho para que ele coma serragem no lugar de capim. E o burro realmente come. Ao brincar com as palavras, ele revela o senso crítico com que olha a sociedade e seus gestores. “Ele devia ter um senso de humor muito grande”, constata Ruy Parucker.

Em outro poema, “Virem-se”, traduzido por Maria Thereza Boebel, do Arquivo Histórico de Joinville, critica a volubilidade da política, “a sabor dos ventos”.

Ah como é perigoso o vento,

Quando sopra na Política!

Incompreensível à razão,

Muitas vezes reina a adversidade

Amanhã cai quem hoje está de pé –

Coloquem seus sobretudos a favor (do vento)” ​​

Um pouco de Carl Parucker

Brasilien gehoert den Brasilianern”

O Brasil pertence aos brasileiros – Tradução: Helena Remina Richlin

Oh belo país com ricas praias em forma de baía

Com tuas planícies, tuas magníficas florestas,

Com teus rios, com ampla borda de prata,

Como você foi feito para a glória!

Para a tua grandeza, te faltam somente as mãos,

Oh, chame-as, para que tua sorte mude,

E não o diga aos exortadores impacientes:

O Brasil pertence aos brasileiros!

A riqueza de todos os povos, de todas as zonas,

Esta em ti como um imenso tesouro;

Em teus limites, milhares de

Pessoas cansadas da Europa, trabalhadoras, encontram lugar,

Sendo que para a tua grandeza só faltam as mãos,

Chame-as, para que tua sorte mude.

E não o diga aos exortadores impacientes:

O Brasil pertence aos brasileiros!

A escravidão, essa herança maldita,

Risca-a até o último vestígio!

Tenha coragem e siga em frente com teus atos!

Que teu colono seja um trabalhador livre!

Sendo que para a tua grandeza só faltam as mãos,

Chame-as, para que tua sorte mude.

E não o diga aos exortadores impacientes:

O Brasil pertence aos brasileiros!

Deixe inflamar a tocha da liberdade religiosa,

Uma luz viva para o ser vivente!

Dê a todos os que se estabelecerem em tua pátria,

Os mesmos direitos, os plenos direitos civis!

E não o diga aos exortadores impacientes:

O Brasil pertence aos brasileiros!

Em resumo! Não se canse da luta,

Siga teu caminho sempre em frente,

Que então a flor dourada do futuro,

Que agora não passa de um botão, também te alcançará plena e cheirosa.

Quando mãos trabalhadoras dão ânimo à praia e ao corredor,

Tendo liberdade para pairar em torno de tuas montanhas,

Então diga com orgulho aos exortadores impacientes:

O Brasil pertence aos brasileiros!

 

Especial para o Notícias do Dia

Carl Parucker jovem e de meia-idade (envio por e-mail) – crédito: Arquivo Histórico de Joinville
Reprodução de documentos (envio por e-mail – identificação na própria foto) – crédito: Arquivo Histórico de Joinville

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