? “Fazer a coisa certa”, de Ronald Fiuza

Fazer a coisa certa

Imagine você encontrando uma carteira recheada, ali na rua, justo naquele momento de maior necessidade. Você pega ou devolve?

Suponha agora você vendendo seu carro usado e o comprador barganhando. Você esconde aquele vazamento de óleo?

Continue suas hipóteses: Você costuma sonegar imposto? Estaciona em vaga de idoso? Na escola, você colava?

Nós vivemos sempre diante de dilemas como esses. Na maioria das vezes a decisão nem é tão difícil. Costumamos fazer a coisa certa. Outras vezes o conflito é complicado; trata-se de decidir entre o correto e o vantajoso.

Para resolver muitos dos problemas de conduta e ser honesto, basta lembrar os ensinamentos que tivemos pela vida. Nossos pais fizeram de tudo para nos mostrar o caminho do certo e como distingui-lo do errado. Os professores, os avós, os tios, todos reforçaram essas noções. Fomos à igreja e decoramos os mandamentos. Mais tarde aprendemos trechos da constituição do país, do nosso código de ética e até regras do condomínio.

Nossas vivências também nos ensinaram, por vezes, com sofrimento. Muitas das vezes em que optamos pelo errado acabamos nos dando mal, com o vexame e o preço de termos sido descobertos ou mesmo com o remorso solitário. Pudemos assim criar um caráter, aquele que acaba por geralmente nos indicar qual é o caminho certo, aquele que devemos seguir.

Tivemos ainda outros auxílios. Durante toda a história da civilização os grandes sábios passaram a vida tentando nos transmitir as regras do bem viver. Seus conselhos sobreviveram e chegaram até nós. As religiões também nos legaram seus livros, todos ricos em orientações. Daí surgiram pérolas de sabedoria, como a fundamental regra de ouro: “Trate os outros como gostaria de ser tratado”.

Com os filósofos gregos o dilema entre agir bem ou agir mal mudou de patamar. Foi quando o bem viver se transformou em estudo e surgiu uma disciplina chamada Ética. Desde então a discussão tem se mantido bastante viva. Quem se dedicar a estudar ética vai ter matéria para ler o resto da vida. Vai verificar que as posições podem variar muito, mas que os conselhos prevalentes nos indicam o que é uma vida boa. A vida boa é a vida correta, que quase sempre traz vantagens no longo prazo.

O primeiro desses conselhos foi: “Siga os bons exemplos”. Isto é o que nos falou Aristóteles. Ele acreditava que a observação das boas pessoas nos indicaria o caminho certo a seguir e aí, seria só não desviar da rota. Outra dica dele é que devemos evitar os extremos, agir sempre com moderação. Era a apologia da virtude. Alguém discorda?

O filósofo Kant era um homem metódico e dizia que deveríamos conhecer as regras essenciais da conduta honesta e segui-las a qualquer preço. A mais importante dessas regras nos impõe a “agir como se sua ação pudesse se tornar uma lei universal”. Não é tão simples como parece. O alemão era radical, dizia que você não pode vacilar. Usar o homem como meio para conseguir um fim? Nunca! Mentir? Nem para tirar o pai da forca! Pesado, não? Daí surgiu a Deontologia e, com ela, os códigos de ética. Esse grupo entende que o agir bem não pode fazer concessões.

Já o britânico Bentham e o americano Mill pegaram mais leve e indicaram que deveremos “agir da melhor maneira possível”. Eles reconheceram que as coisas são mesmo complicadas. Se você estiver em dúvida, recomendaram, procure fazer mais bem do que mal. Se preciso, pese os dois lados, literalmente (veja quantos saem perdendo se você fizer A e quantos se sua opção for B). Beneficie então a maioria, mesmo que você esteja na minoria prejudicada. Nasceu aí o Consequencialismo.

Apesar de os filósofos não terem chegado a um acordo sobre qual das orientações deve nortear nossa conduta, talvez isso não seja necessário. Os três conselhos são muito úteis e o homem de boa vontade acaba por ter noção intuitiva do certo e do errado. Fareja de longe a safadeza e sabe que não deve utilizar a lei do Gerson.

Se mesmo depois da condução dos pais, dos professores e da religião; se mesmo depois de conhecer as leis e os códigos; se mesmo tendo sido orientado pelos filósofos, você ainda guarda a carteira que achou na rua, isto é assunto para outra conversa.

Ronald Fiuza

 

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