📖 “Haicais de Joel Gehlen” (Guerreiro)

“Haicais da jornada ao monte na lua de Wesak”, 2020.
( obra por Joel Gehlen)


O livro-objeto tem caráter único como obra de arte contemporânea do dialogar entre duas manifestações humanas como outras surgidas na hibridação entre literatura e arte visual, construção imagética de discurso habitualmente vertido em poema.
Joel Gehlen( Mamborê/PR, 1966) jornalista, editor, cronista e poeta de algum tempo xilogravador a partir de aulas com Dani Rieper e oficina com André de Miranda se propôs um livro-objeto a partir de seu envolvimento com os Haicai. Essa forma poética japonesa se caracteriza pelo corte ( o kireju) justaposição de duas ideias ou imagens que dentro da tradição era formada com 5,7, 5 sílabas em três linhas modernamente tendo sido deixada de lado essa exigência; é óbvio que em japonês e português o som silábico é diferente, que aquelas palavras simbolizando estações do ano no tempo da ação não se aplicam e até a pontuação pode ser usada como corte. Fui forçado a esses comentários pois nem todos tem intimidade com essa forma poética, a meu ver o ponto alto da poesia pela síntese expressa.
Em 18/05/2019 no aniversário de Buda com a lua cheia no signo de touro, a chamada lua de Wesak, materialização da energia da consciência Joel Gehlen empreendeu a subida do monte Crista como jornada de ascensão espiritual; desse momento místico resultaram trinta e sete haikai e a ideia de transpô-los em xilogravuras. Propôs então a trinta e sete artistas ( e me incluiu embora não o seja) criar leituras individuais, as transpôs para xilos e em cada lâmina imprimiu a lua em amarelo às vezes sobre as imagens criadas, às vezes ao lado vis a vis com as três linhas verticais de cada haicai.
No meu caso o haikai era : Estrada do monte
neblina no fim da tarde
sublinha o horizonte
É uma inferência associativa por semelhança em que a imagem gráfica é um quase-signo das frases do haikai que Joel criou na xilo com golpes de goiva a aspereza do solo, linhas paralelas pelo buril demarcando o caminho e finamente onduladas na nebulosidade que assoma no fim da tarde grifando o horizonte transposição de
meu desenho com a diagonal principal sendo o perfil do monte para a qual converge a linha do caminho e no topo uma linha ondulada sinalizando a neblina no horizonte.
Há haikai que me falam de perto tais como lufadas de orvalho trazendo o sorriso de Buda: “Nua dos sete véus/ umbigo a lume da noite/ a Lua dança no céu” ; ” Místico corpo celeste/ reveste a noite que cai/ o tempo troca de pele” ; ” A tarde acentua/ com nébula sutil/ um til na lagoa”.
Finalizando o livro-objeto Gehlen criou a capa impressa em lona desgastada com o título, tês picos montanhosos na estética chinesa e a Lua em vermelho como purificação e karma dos desejos e a lombada com um pedaço de bambu como metáfora da vara do caminhante.
Enfim, decifrações semióticas como linguagem cifrada alternando o escrito com o quase reescrito naquilo que sempre me fascina, uma questão de sensibilidade.

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