Lição de verão (Andreia)

Lição de verão

Andreia Evaristo

No verão da pandemia, nos tornamos caçadores de praias desertas. Ou quase isso. Descobrimos lugares incríveis, pouco conhecidos do ser humano, onde foi possível tomar duplo banho, de Sol e de mar, aquecendo a pele e salgando a alma. Foi numa dessas ocasiões que eu o vi.

Eu estava no mar, numa baía com ares de piscina. Água estava à altura do peito. Ele veio nadando, estilo cachorrinho. Não devia ter mais que seis ou sete anos. Aproximou-se.

“Aqui não dá pé pra você, dá?”, alertei.

“Dá sim. Mas eu sei nadar.” Ele tinha a água batendo no queixo.

Outro menino, com quem ele brincava antes (e de quem reclamou aos adultos que estava jogando areia e tentando arrumar confusão), gritou:

“Rafa, não conversa com estranhos!”

“Eu não sou estranha”, retruquei. “Sou professora.”

Ok, professores podem ser, sim, estranhos, mas não é sobre isso que quero falar. O menino da beiradinha deu de ombros, respondendo:

“Ah, então tá bom.”

Eu era um misto de sentimentos. Sou mesmo professora, mas isso não me dá carta branca como pessoa confiável. Lógico que eu não ia fazer nada com o menino diante de mim, mas poderia ser outra pessoa, mal intencionada, e a resposta com o dar de ombros seria a mesma.

Voltando os olhos ao menino próximo de mim, trocamos algumas palavras e ele pousou os olhos em algo mar adentro.

“Acho que vou lá com meu pai.”

Olhei na direção de seus olhos e vi três homens nadando. A distância até eles com certeza era longe demais para um menino tão pequeno.

“Melhor não. Ainda não dá pé.”

“Eu vou nadando.”

Apavorei-me.

“Melhor esperar eles chegarem um pouco mais perto.”

Não houve muita discussão. Menos de dois minutos depois, o menino se lançou em direção ao fundo, balançando pernas e braços em direção ao pai.

Quando eles se aproximaram de mim, brinquei:

“Corajoso esse menino. Mas meio sem juízo…”

“O fruto não cai longe do pé”, sorriu o pai.

No rosto do menino, a satisfação brilhava mais que o Sol:

“Mas eu consegui chegar lá, né, pai?”

Quantas vezes a gente tem coragem de se lançar rumo ao que nos amendronta? Quantas vezes deixamos de viver pequenas e grandes conquistas da vida porque nos mantemos no raso, onde dá pé? A vida vale pelos minutos de satisfação de termos vencido nossos próprios limites.

COMPARTILHE: