O Brasil e eu (Ronald Fiuza)

O Brasil e eu

Ronald Fiuza

Este mês eu fiz 72 anos de idade. É muita estrada. Nestas ocasiões a tendência é olhar para trás e tentar sínteses, colocar em ordem as vivências esparsas que se acumulam em uma vida longa. Hoje estou pensando na minha ligação com o meu país ao longo desta caminhada. Não da minha brasilidade, esta é umbilical. Já estive em todo canto de meu país e senti a força de cada cidade, a graça de cada praça, a imponência de cada montanha. Sou fascinado pela nossa cultura, amo nossa música, salivo com a nossa comida, adoro futebol. Sou ainda um produto de nossa língua e preciso falar, sonhar e pensar em português.

Mas hoje vou falar de outra coisa do Brasil. Vou falar de política.

Aos 6 anos de idade tive o primeiro contato com as coisas da política brasileira. E foi chorando, quando Getúlio Vargas se matou. Meu pai escutava as notícias no rádio e, getulista, chorava. Eu também chorei, não pela notícia trágica. Foi por ver meu pai chorar.

Ainda na infância eu me lembro de uma fase boa, cheia de perspectiva e de sonhos. Foram os anos de otimismo do governo Juscelino. O país parecia desencantar, com altos-fornos, estradas, automóveis. Fui à inauguração de Brasília, aquela maravilha erguida no sertão. Era o “país do futuro”.

Eu já sabia mais das coisas quando acompanhei os governos atabalhoados de Jânio e de Jango, um populista de direita e um gaúcho pouco expressivo de esquerda. Deu no que deu.

O golpe militar teve apoio de alguns familiares que eu admirava, mas não do meu pai. Eu me senti confuso na ocasião, mas aquela história não me agradava. Entrei para a faculdade pouco depois e lá me politizei rapidamente. Participei do movimento estudantil, onde conheci pessoas admiráveis. Gritei “abaixo a ditadura” em passeatas. Vi a Escola ser invadida por soldados, vi colegas meus presos, torturados, exilados. A maioria de nós então se retraiu, sem vislumbrar possibilidade de enfrentar aquela estrutura tão forte. A Medicina então nos ganhou, tempo integral.

Durante esse período duro eu me formei e fiz residência médica. A seguir fiz pós-graduação no exterior. Morando no estrangeiro, a gente fica mais brasileiro do que nunca. Eu gostava de me encontrar com outros estudantes brasileiros que lá estavam e trocar sobre nossas coisas, incluindo política. Lá tínhamos acesso a notícias não censuradas e podíamos conversar sem medo. Vimos então que, além de truculentos, os governos militares foram ruins, de baixa competência. Houve uma pequena fase de crescimento, na época do “ame-o ou deixe-o”. Mas, no final, a ditadura fracassou.

Voltando ao Brasil, veio o entusiasmo da abertura. Finalmente a presidência voltaria para um civil. Tive muita esperança em Tancredo Neves. Quando a mudança política começou ele se mostrava na TV como uma inteligência límpida, convincente. Eu estava em Brasília no dia de sua morte. Chorei pela segunda vez.

Tomei partido e entrei então no PMDB. Participei da política em minha cidade, onde dirigi o hospital municipal. Fui depois secretário de saúde do estado. Não durou muito tempo, mas o suficiente para que eu conhecesse a engrenagem por dentro.

Vi depois passar aquela lista de presidentes e não vi o país entrar nos trilhos. Quando penso em Sarney, Collor, Itamar, Dilma e Temer penso em tentativas, em transitoriedade, em impossibilidade de me trazer de volta a perspectiva que meu pai perseguia, aquela do “país do futuro”. Não votei em Lula, mas tive alguma esperança no início de seu governo, quando ele disse, quase com lágrimas, que “não podia errar”. Errou demais.

O único voto meu que ajudou a eleger um presidente foi Fernando Henrique. E acho que ele foi o melhor. Ele é inteligente, culto e sabe liderar. Foi um voto consciente e até hoje eu o admiro.

Na última eleição, votei em branco. Não podia dar o meu aval a um preposto do Lula, nem a um candidato que homenageia torturadores e que não demonstra conhecimento nem sensibilidade com os problemas do país.

Ele ganhou. E eu consolido todas estas lembranças no momento em que vejo meu país em seu estado mais dramático, mais crítico. Em uma profunda crise sanitária, econômica e política, meu país não está sendo governado. Eu o vejo empurrado, de maneira prepotente, inconsequente e desastrada. E eu, com 72 anos, aqui de quarentena. Penso em meus filhos, penso em meus netos.

Coitadinho do Brasil.

 

Ronald Fiuza

 

 

 

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