A cabeça do leitor (Hilton)

A CABEÇA DO LEITOR

Hilton Gorresen

 

Cabeça de leitor é imprevisível. Não entendam mal, meus dois ou três leitores, falo no bom sentido. Uns adoram o texto anedótico, em que tudo converge para uma conclusão hilária; outros se pelam por uma mensagem positiva, muitas vezes provocando lágrimas. Outros, mais intelectualizados, preferem o texto acadêmico ou literário, pejado de expressões raras.

Leitores há que ainda consideram o máximo o texto de um tempo ruibarbosiano, difícil e complicado, cujo modelo vivo está em nosso Hino Nacional. Para compreendê-lo – com todo respeito, pois quem sabe futuramente o hino vai ser tudo o que teremos de nosso Brasil, além do futebol – é preciso ser bom no dicionário e em análise sintática.

O cronista precisa, por isso, ser um pouco marqueteiro. Sentir a aceitação ou não de seus textos pelo público-alvo.

Costumava enviar textos para um grande site literário, de abrangência nacional. Além da divulgação, isso é útil para recuperar seu trabalho no caso de uma pane no computador, que apague todos os seus arquivos. Uma espécie de backup. E sabem qual o gênero preferido pela maioria dos internautas que acessavam o site? Conto, crônica, romance?

Nada disso! O gênero vencedor, com número inacreditável de acessos, era a Mensagem. Isso mesmo: mensagem, que nem se pode chamar de gênero. Mensagens de Natal, de Páscoa, de aniversários, mensagens de autoajuda, etc. Seguiam-se a elas as modalidades Eróticos e Anedotas.

Dizem que a voz do povo é a voz de Deus. Por isso, o professor Cláudio Moreno, doutor em Língua Portuguesa, quando quer conferir o uso predominante de um termo, joga-o no Google.

Resolvi, então, fazer uma experiência: adicionei um texto babão na categoria Mensagem, com o título “Feliz Aniversário, minha filha”. Após alguns dias o mencionado texto já se encontrava no pódio, ganhando de longe em acessos de todas as crônicas e contos que eu encaminhara anteriormente. E minha filha nem estava fazendo aniversário, vejam só.

O pior é isso: desconfio que os leitores procuram tais mensagens não para apreciar o estilo ou a criatividade do autor, mas sim para copiá-las e remetê-las aos seus homenageados, denunciado com isso uma preguiça mental própria de um povo sem leitura.

 

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 31.07.2021

 

 

 

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