A dança (Herculano)

A Dança
Baiano de boa cepa, nos anos 1970 o jornalista Sebastião Nery escrevia para a Folha de S. Paulo crônicas de 10 a 12 linhas explorando, preferencialmente, fatos pitorescos do folclore político brasileiro.
Com estilo enxuto, Nery levava os leitores a gaitadas de rachar o bico, como se diz aqui pelas nossas bandas.
Jamais esqueci de uma dessas croniquetas, que passo a recontá-la do meu jeito, mas sem deturpar em nada a essência do caso.
De família abastada e recatada, Maria do Carmo gostava mesmo era de dançar em bailes populares.
Por considerar no minimo um gosto estranho, os pais não liberavam filha para dar seus sonhados saracoteios. Todavia, depois de muitas discussões, os pais da espevitada concordaram com ela, mas sob uma condição inegociável: Maria do Carmo só poderia dançar se Filó, a doméstica da família, estivesse por perto para chamar nos tentos qualquer engraçadinho que se metesse a bobo com a graciosa moça.
Filó, que não era de levar desaforo nas ventas, botava ordem na situação espantando qualquer atrevido metido a besta. Enquanto isso, feliz da vida, Maria do Carmo se divertia até dizer chega!
Bela noite, vai que na maior fervura de um afamado bailão, Filó obrigou-se a largar a protegida por uns minutos a fim de ir ao banheiro.
Assim que ela virou as costas, um engomadinho aproximou-se de Maria do Carmo e todo cerimonioso largou o verbo.
– Se a senhorita dançar comigo, será a maior honra da mimha vida!
– Moço, não vai dar para honrá-lo. Eu só danço Filó tando, desculpou-se a bela ao lembrar-se do acordo inegociável com os pais.
Ao ouvir aquilo o engomadinho abriu um largo sorriso e largou:
– Que coincidência maravilhosa! Vamos lá senhorita, que eu sou talvez o maior especialista da dança filótando! E lhe digo mais, é o tipo de ritmo que mais me agrada desde menino de calça curta!

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