A porca vermelha (Nelci)

A porca vermelha

O Rio Caí tem sua nascente em São Francisco de Paula, serra próxima ao litoral norte do Rio Grande do Sul. Mas pera aí: O que o Rio Caí tem a ver com a porca vermelha?  Calma, já vou explicar. Primeiro vamos identificar um pouco mais esse rio.

O Rio Caí tem 285 quilômetros de extensão, ocupa 1,79% do território do Estado e passa por 41 municípios gaúchos, entre estes, Caxias do Sul, Gramado, Petrópolis, Canela, Farroupilha, Feliz, Bom Princípio, Montenegro e São Sebastião do Caí.

A nascente do Rio Caí é formada pela junção de vários arroios. A partir de onde seu volume de água já está mais significativo, passa a chamar-se “Rio Santa Cruz”. Ainda é conhecido por esse nome ao encontrar-se com o Rio Caracol – que forma a famosa Cascata do Caracol -, maior atrativo turístico natural de Canela. A partir daí recebe o nome de “Rio Caí”. Abrindo seu leito entre vales e montanhas, apresenta maior profundidade e também maior declividade, responsável pela rapidez dos alagamentos em períodos de alto índice pluviométrico.

Ao passar por São Vendelino, Bom Princípio e alguns outros municípios, o rio continua a receber afluentes e acompanha a topografia ora plana, ora acidentada. Ao chegar a São Sebastião do Caí, torna-se plano e mais largo, seguindo assim até o Rio Guaíba, em Porto Alegre, que também recebe as águas dos rios Taquari e Jacuí.

São Vendelino, Feliz, Bom Princípio, São Sebastião do Caí e também Montenegro formam uma região em que as enchentes do Rio Caí se tornam violentas. As águas ganham uma cor vermelho escura, em função dos alagamentos nas várzeas, largas áreas de terras aradas para plantio, gerando grandes estragos para os agricultores. Conforme a intensidade, o rio interrompe estradas, pontes e deixa inúmeros moradores ilhados. Intercepta qualquer tipo de transporte, incluindo caminhões de carga, que até a década de 1980 ainda eram obrigados a atravessar o rio através de  barcas, em locais em que não havia pontes, como Bom Princípio.

A empresa Hartmann, estabelecida em Arroio das Pedras – localidade de Bom Princípio -, era uma das mais prósperas do gênero na região. Pertencia ao negociante Albino Hartmann, conhecido como Michelon. Possuía vários caminhões para transportar qualquer tipo de carga, fossem porcos, alfafa ou outros produtos, tais como o queijo da nossa fábrica de laticínios.

Quando o rio extrapolava seu leito, não havia transporte algum. E o Michelon saía da sua toca, ou melhor, de sua casa de negócios, que incluía venda de secos & molhados, grandes depósitos de produtos diversos, garagens, etc.

A localidade de Arroio das Pedras não era atingida pelo Rio Caí. Por isso, o Michelon saía a pé até nossa casa, para saber detalhes a respeito dos alagamentos. Ele era um homem atarracado e bastante gordo. Usava sempre suspensórios para segurar as calças, óculos pequenos de aros redondos e um chapéu de aba estreita no meio da cabeça. Nas situações adversas a seu interesse costumava reclamar muito, quando suas rugas na testa se acentuavam.

Ao chegar, cumprimentava Adolíbio, meu pai – bom dia (ou boa tarde) Libo e já entrando na varanda, sentando-se em um dos bancos. “Vim ver a porca vermelha que saiu outra vez – die rote Schwein kam wieder heraus e o estrago que ela fez por aí”. E desenrolava um rosário de queixas, dos caminhões parados, do prejuízo dos negócios e por aí afora.

Mas o Libo, que já o conhecia de outras situações do tipo, adentrava a cozinha e preparava um chimarrão. Enquanto o tomavam, a conversa ia se tornando mais amena e as rugas da testa do Michelon se abrandavam. Ao se sentir um pouco mais calmo, com a certeza de que o Rio Caí parara de crescer, e que certamente no dia seguinte os caminhões voltariam às estradas, se despedia. Com seu andar metódico retornava para sua propriedade, em Arroio das Pedras…

 

Nelci Seibel

Joinville, 10.2015

 

COMPARTILHE: