A (re)descoberta de Gustavo Corção (Simone Gehrke)

 

A (re)descoberta de Gustavo Corção

Simone Gehrke

 

Estava zapeando pelos pouco cadernos de Literatura e ideias remanescentes dos jornais (idem), em busca de boas companhias de leitura para o período de férias, quando me deparei, na Gazeta do Povo, com um texto de Thomaz Perroni indicando às novas gerações a leitura de Gustavo Corção. Se havia dúvidas sobre a escolha de um livro para acompanhar meus momentos de ócio criativo, a frase de apoio da matéria acabou com elas: o autor chegou a ser apontado como sucessor à altura de Machado de Assis.

Fiquei perplexa. Como nunca havia cruzado com um autor brasileiro desta envergadura, que viveu no século XX e foi aclamado por contemporâneos cuja obra e trajetória são comentadas e estudadas até os dias atuais?

Publicado em 1950 (e com a edição mais recente feita em 2018 pela Vide Editorial), o romance, ‘Lições do Abismo’ foi reverenciado por autores como Oswald de Andrade (“Depois de Machado de Assis aparece agora um mestre do romance brasileiro”), Raquel de Queiroz (“Livro belo, estranho, magistralmente realizado”) e Menotti del Picchia (“Creio, sem temor de exagerar, ter lido o maior livro de ficção que já se escreveu no Brasil”).

Narrado em primeira pessoa em forma de diário, ‘Lições do Abismo’ conta a história de José Maria, professor de filosofia com vasta cultura que descobre uma doença incurável com um prognóstico fatal: apenas três meses o separam de sua despedida do mundo.

Estando para morrer, o personagem tranca-se no quarto e ingressa em uma busca profunda para compreender o significado da existência (a sua e a dos outros).

Com uma prosa poética, reflexiva e muito bem concatenada, Corção percorre o caminho para se encontrar e revisita os diversos abismos de sua história. Neste percurso, fielmente relatado no diário, José Maria nos convida a caminhar com ele, meditando tanto sobre a finitude quanto em torno dos mais singelos acontecimentos do dia, na companhia de grandes pensadores como Ovídio, Sócrates, Heidegger, Shakespeare, Voltaire e Goethe.

Em certo ponto da obra, o narrador diz: “o importante, na poesia e na vida, é a escolha; e por conseguinte a recusa”. Concordo. Nos dias de hoje, com tantas distrações por todo lado, a frase faz pensar sobre como ocupamos o tempo que nos é dado por estas paragens.

COMPARTILHE: