Ac. Guerreiro leu “54”, de Wu Ming

Um romance escrito a quatro mãos por um grupo que se intitula Wu Ming ( em mandarim : os sem nome) já por si é um desafio, e foi o que me atraiu nesse “54”.

Trata-se de uma história do pós-guerra com raízes nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial, na frente iugoslava com soldados italianos enfrentando os partisans comunistas e seus desdobramentos em 1953 no Território Livre de Trieste. Esse é o mote, o mundo dividido entre ideologias opostas no auge da Guerra Fria; a obra estruturada em capítulos alternando locais e personagens, Trieste, Bolonha, Nápoles, Viena, Dubrovnik, cada um com suas peculiaridades culturais em que personagens conhecidos como Cary Grant ( o fulcro do romance), Grace Kelly, Erroll Flyn, Alfred Hitchcocq, o Marechal Tito, o general Sedov ( primeiro diretor da KGB), o imperador Bao Dai da Indochina, Lucky Luciano e seu sinistro guarda-costa e outros personagens criados surgem num imbroglio criado pelos Serviços de Inteligência MI6 e FBI para aproximar o Marechal Tito ao Ocidente, já que ele se afastara de Stalin desenvolvendo uma política socialista favorável ao plano Marshall. Para isso um emissário oculto, o ator Cary Grant por quem Tito tinha admiração, aliás numa passagem Tito define o livro como uma sociedade sem classes onde todos podem ler, e ele assim como Cary Grant filhos de proletários que deveriam conquistar a sociedade com elegância, uma ironia endereçada à Hollywood e ao culto italiano pela elegância masculina. Outra ironia é o livro encontrado pelo ator em uma praia iugoslava: Casino Royale de Yan Fleming, com seu personagem James Bond inspirado no ator que se recusou a interpretá-lo dando espaço a Sean Connery.

Ao final do romance há uma página que para mim vale o livro, Archibald Alexander Leach, aliás Cary Grant numa sessão de anamnese psicanalítica sob efeito de LSD para escapar da depressão e a interpretação freudiana de seus problemas.

Enfim uma obra leve, como comédia e sátira ao mundo da espionagem e da política, dos confrontos ideológicos e pessoais onde o que é real e o que é ficção convergem numa reapropriação do dia-a-dia sinalizando ser tudo possível, delírios ou os fios ocultos da realidade.