Ac. Simone Gehrke leu “Não está mais aqui quem falou”, de Noemi Jaffe

A provocação de “Não está mais aqui quem falou”, de Noemi Jaffe

Por Simone Gehrke

 

Um dos prazeres mais fascinantes da literatura é a provocação. A arte de divertir o espírito relativizando o sentido das palavras, quando contrapostas ao seu significado referencial, que aprendemos a consultar nos dicionários.

A escritora Noemi Jaffe é expert nesta arte. A crônica de hoje, uma reverência à sua obra, faz um passeio por reflexões que brotaram a partir da leitura de um dos 40 textos (sem título e com apenas cinco frases) de seu mais recente livro, “Não está mais aqui quem falou”.

“Recuar também pode ser uma forma de avançar.”

Nem sempre um avanço nos leva para frente. A cultura da acumulação nos acostumou a associar os movimentos a uma seta que tem de estar voltada da esquerda para a direita, ou de baixo para cima. Na guerra, um passo atrás é às vezes estratégico; na vida, um recuo pode ter mais significado para o espírito e levar ao reencontro de algo importante que por descuido, ou pressa, ficou esquecido ao longo da jornada.

“Entregar-se também pode ser uma forma de resistir.”

Nestes tempos de mudanças velozes, talvez seja a única alternativa para continuar fazendo parte. Lembra um ditado antigo, que parece nortear muitas das fusões de que se tem notícia: se você não pode com um inimigo, junte-se a ele.

“Negar também pode ser uma forma de dar.”

A mais nobre e difícil delas, eu diria. Especialmente quando se trata da educação que os pais devem proporcionar aos filhos. É muito fácil materializar seus desejos em presentes caros e atrativos, mas é na negação que  ensinamos a eles como atribuir às coisas o seu devido valor.

“Dar também pode ser uma forma de possuir.”

Talvez a forma de ter o que há de melhor: a gratidão. Abre-se mão de algo tangível em prol de alguém ou de alguma causa e fica-se com a prazerosa sensação de ter sido capaz de contribuir para fazer a diferença.

“Ficar também pode ser uma forma de ir.”

Além de roteiros predeterminados, das experiências mais do que previstas. Deixar de ir quando o senso coletivo indica a preponderância desta tendência pode nos levar a outras possibilidades de descoberta.

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