Ac. Zabot leu “A moderna agricultura intensiva”, de Arthur e Ana Maria Primavesi

ANA E ARTUR PRIMAVESI

No último dia 5 – partiu antes do combinado, como diz Boldrin -, a eminente cientista Ana Maria Primavesi. Jatobá de 99 anos bem vividos, assim saiu a matéria anunciando sua partida.  Natural de Skankt Georgen ob Judenburg, Áustria (1920). Aportou ao Brasil, em 1949. Ao lado do marido Arthur Primavesi, não menos famoso; ambos agrônomos e professores da Universidade Federal de Santa Maria, deixaram um legado inestimável às ciências agrárias, não apenas para o Brasil, mas para o mundo todo. Agroecologia voltada ao solo – eis o legado.

Por acaso, quando estudante da UFSM (1975) me deparei com a obra: A Moderna Agricultura Intensiva (Vol I). A biocenose do Solo na Produção Vegetal.  Autores: Artur Primavesi, doutor em agronomia e Anna Maria Primavesi, também doutora. Obra publicada em 1964. Consegui o livro através de um amigo vendedor de frutas, o simpático Zacarias, na casa do estudante. Conseguira aqueles livros (uma caixa), num descarte.  Guardo o exemplar até hoje. Uma raridade. Acabo de relê-lo, mais atual do que nunca. Aborda aspectos relevantes sobre a importância do humus na agricultura.

A capa diz tudo sobre a obra, um perfil vegetal por inteiro: parte área: folhar, e a parte subterrânea, as raízes, estas em maior proporção. Frase enigmática a destaca: “Os sábios creem de boamente que não existe aquilo que as teorias correntes não explicam” (Aléxis Carrel, prêmio Nobel). O prefácio é de André Voisin – criador do sistema de pastoreio rotativo Voisin -, membro da Academia de Agricultura da França. A apresentação da obra é do diretor do Instituto de Química Agrícola e Ciência do Solo da Universidade de Göttingen, Alemanha, professor F. Scheffer.

Considerações à parte, importa o conteúdo, sem dúvida inovador sob todos os aspectos. E o professor Scheffer parece sintetizá-lo: – “Na superfície da terra, onde atuam, simultaneamente, a litosfera, a atmosfera, e hidrosfera, desenvolveu-se um sistema trifásico de atuação geral até a especializada, composto de partículas sólidas, orgânicas e inorgânicas, dos mais diversos tamanhos, e uma fase líquida (a água) e gasosa (ar). Este produto de intemperização, condicionado pelos fatores climatéricos do ambiente, só se torna solo quando se adiciona uma quarta fase – que não pode faltar em nenhum solo – que é a biológica”.

Os Primavesi alicerçaram-se em bases sólidas. Beberam água da fonte, como apregoa o adágio popular. Citam uma centena de renomados cientistas, e escritores romanos, cujo legado herdamos em termos de agricultura, especialmente quando à agroecologia: Beijerinck, Winogradsky, Lipnan, Russell, Waskaman, Pasteur, Du Reitz, Steiner, Bauer, Sir Howard, Ramann, Molisch, Franz, Klapp, Smith, Brown, Vetter, Rubin, Burges, Malavolta, Voisin, Plínio, Columela, entre outros. Impossível relacionar todos. A ciência do solo, como uma catedral do conhecimento, percebe-se claramente: foi construída por muitas mãos.

Na faculdade, como estudante, sutilmente, percebíamos que havia três correntes que se digladiavam. Os quimistas, da escola americana; os humistas da escola europeia, e os que, de alguma forma buscavam vantagens em ambos sistemas.

Como estávamos no apogeu da chamada “revolução verde” obviamente a mesma se impunha. Prevalecia a escola americana. Pragmática e realista. Ávida por resultados imediatos. Naturalmente por trás de todo o processo, fruto da segunda Guerra Mundial, insumos e agroquímicos ditavam os novos rumos. Empresas multinacionais se destacavam. Prevaleciam, portanto, os quimistas. Embora, os questionamentos, não há como negar: a revolução verde abriu um novo cenário. Houve aumento de produção agrícola. E, em várias regiões do globo a fome reduziu-se significamente. Só não foi eliminada porque o problema não se restringe à oferta de alimentos, mas sim, quanto à distribuição – uma questão de mercado.

Um cenário, no entanto, é a agricultura praticada em climas frios e temperados, outro bem diferente, em regiões tropicais e subtropicais.

Projetos como o Microbacias I, em Santa Catarina, comprovaram sobejamente que métodos convencionais como lavração contínua de terras agrícolas, e apenas adubação química, não são compatíveis com agricultura sustentável. E que a adubação verde, a matéria orgânica são a chave da sustentabilidade. Não por acaso tema do livro: Plantas de Cobertura do Solo do agrônomo Claudino Monegat (Epagri (1991). Relatos da colonização de Joinville e região encontrados em vários textos, entre os quais de Bernardo Schneider e Odete Schmalz comprovam os erros e acertos das práticas agrícolas de então. No início mais erros do que acertos.

Piet Rombouts, estudante de agronomia de origem holandesa, na obra: Biodinâmica e o Pequeno Agricultor da Região de Joinville (1986), aborda vários destes tópicos. Registra experiências locais.

E os Primavesi, por este legado, inserem-se um contexto inovador. Hoje, está mais do que comprovado: o solo é a essência, o começo de tudo.

E, Ana Maria Primavesi, cuja vivência, abrangeu o país como um todo, legou-nos um patrimônio de incomensurável valor: o conhecimento e a experimentação prática, extremamente pragmática que era. Suas obras são referência obrigatória quando se fala em solo, em agroecologia.

Em entrevista ao Programa Globo Rural (2012), a eminente cientista, resumiu sua obra e sua vida – a grandeza dela -, na frase lapidar: “- Minha paixão é o solo, porque tudo depende do solo, inclusive os homens”.

Joinville, 9 de janeiro de 2020

Onévio Antônio Zabot

Engenheiro Agrônomo/UFSM

 

 

 

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