Ac. Zabot leu “Memórias de um menino pobre”, de Silveira Junior

MEMÓRIAS DE UM MENINO POBRE

Livro de Silveira Junior da pacata Bananal –  antes Distrito de Joinville, hoje Guaramirim -, “Memórias de Um Menino Pobre”   resgata passagens  da infância  do autor no famoso  assentamento Rio Branco, idos 1920. Segundo Glauco Olinger a prioridade era assentar revoltosos da Guerra do Contestado. Não era o caso da família Silveira, procedente de Piçarras. Açorianos, portanto. A propriedade que receberam situava-se numa encosta. Terra fraca. Mesmo assim, produziam cereais, frutas e aves para o sustento. A raiva transmitida pelos morcegos, um pesadelo: dizimava o rebanho bovino. Uma desolação a perseguí-los. Cultivavam também cana-de-açúcar – alambicavam cachaça -, e aipim para farinha de mandioca. Dinheiro pouco circulava; menos para os arrozeiros do Putanga – os putangueiros -, mais aquinhoados. A perda precoce do pai – a desolação.

Escreve: “A minha primeira infância foi toda ela povoada de temores: do inferno, da peste bubônica, dos morcegos-vermelhos que mordiam o gado, da possibilidade de Mamãe ir embora e nunca mais voltar, de que  o fiscal da prefeitura multasses os meus irmãos mais velhos, desgraça vaga que eu sabia que era; temia horrivelmente que num certo dia o sol não aparecesse, que o céu ficasse vermelho como sangue, que Deus aparecesse entre as nuvens anunciando o fim  do mundo, que nossa casinha caísse com uma ventania forte.  Mas por sobre eles pairava, dominador e terrível, o medo das trovoadas… Meu Deus, que coisa horrível uma trovoada se formando por detrás do Morro de Massaranduba; um pé de vento começando lá para os lado do Putanga se avolumando, à medida em que ganha o vale que era estrada entre dois morros”.  As residências à época – frágeis choupanas -, uma temeridade.

Lembrança boa: o primeiro caminhão, o do Nitz, trafegando estrada afora. Botaram bancos na carroceira; transportava passageiros para Joinville. O sonho: um dia ser motorista. Não conseguia entender que o motorista – passeando -, ganhasse salário e casa.  Coisa inimaginável para o menino de roça. À época não havia médico. Só em Joinville. E nem agrônomo e veterinário.  Sorte mesmo só a escola, o Professor Cantalício e a visão de sua mãe enviando-o ao ensino. Caderno não havia. Usavam lousa. Todos andavam descalços, a passeio ou na lavoura. Aquilino, dono de salão, ao exigir calçado para entrar no baile, provoca uma convulsão social.  Chapéu, esse sim, todos os homens usavam. Os abastados, de pano; os pobres, de palha.  O sonho do pequeno Junior: um chapéu de pano. Após um mês de serviço capinando  cafezal consegue compra-lo. Exibe-o como troféu de guerra. Ao enfrentar a capina jararacas incomodavam, tantas havia. Junto com o irmão – ajoelhados rezavam: “São Bento, cobra para mim não tem dente, água benta tá na pia, Jesus Cristo no altar… Cobra, abaixa  a cabeça que eu quero passar”. A reza dá  certo – escapam ilesos os  abnegados irmãos.

Onévio Antonio Zabot

Engenheiro Agrônomo

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