Ac. Zabot leu “Sonhos tropicais”, de Moacyr Scliar

A REVOLTA DA VACINA

Eis um livro instigante: Sonhos Tropicais, do médico e escritor gaúcho da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar.

Na dedicatória (comprei no sebo) expressa de próprio punho o autor: “Oswaldo Cruz foi um magnífico homem; pesquisador fantástico. Deixou-nos vários legados, mas o mais importante foi sua curta e profícua vida. Morreu em 12/02/1917 e salvou muitas vidas brasileiras”.

Na orelha do livro, a síntese: “Rio de Janeiro,1904, nas ruas, postes derrubados, bondes incendiados. Manifestantes cercam uma carruagem puxada por dois cavalos e ameaçam o homem que estava na origem dos distúrbios, o doutor Oswaldo Gonçalves Cruz, pioneiro médico sanitarista que, em sua luta para erradicar a febre amarela, acabou provocando a chamada Revolta da Vacina, umas das mais polêmicas batalhas políticas e sociais brasileiras”. E conclui: “Hoje, a moral pode ter mudado; a ciência transformada em mito, pode ter vencido – mas Sonhos Tropicais une passado e presente pelos descompassos que fazem da empresa civilizadora no Brasil algo tão insólito quanto precário”.

Sabidamente, europeus temiam povoar terras tropicais: doenças desconhecidas grassavam, caso da febre amarela.

Embora Pasteur, cientista francês houvesse desvendado parte do mistério, a transmissão de doenças por microrganismos, prevalecia preconceito social. Fantasia e alquimia andavam de mãos dadas. No entanto, antes disso o médico alemão Rudolf Virchow advertia os médicos: “Olhem a célula, estudem-na, é na célula, e só na célula, que se origina a enfermidade. Corajoso, aquele homem. Nas barricadas da revolução de 1848 lá estava ele empunhando um fuzil. Causa errada; mas atitude correta, mesmo para um cientista: é preciso lutar senhores”.

Duas correntes digladiavam-se: a do contágio e ao do miasma. ” Os defensores do contágio diziam que a doença passava de uma pessoa a outra; os adeptos da teoria do miasma atribuíam as enfermidades a mefíticas emanações”. A teoria do contágio por preconizar a quarentena contrariava os liberais. Ao contrário, a corrente adepta do miasma atribuída as doenças às condições inadequadas de higiene e habitação associadas à pobreza.  A teoria do miasma originara-se na época dos romanos.  Atribuíam a malária aos maus ares oriundos dos pântanos; daí   o nome.

Contrariando esta tese tronou-se célebre o médico húngaro, doutor Semmlweiss. Preconizava a higiene como medida prioritária.  “Lavem as mãos, dizia”.  Queria introduzir o dia universal de lavagem de mãos”.

O jovem médico Oswaldo Cruz, filho do não menos famoso Bento Gonçalves Cruz, notável sanitarista, especializa-se no Instituto Pasteur em Paris. Sua vocação: a pesquisa, o microscópio, o sanitarismo, mas para auferir renda, especializa-se também em Urologia.  De notável   dedicação atrai a atenção da equipe docente. Cerca-se de celebridades, entre as quais os sanitaristas como Émile Roux e Adrien Proust- o último pai de Marcel Proust, prêmio Nobel de literatura. Conhece a obra do prefeito Haussmann que literalmente deu nova cara à capital francesa ao projetar e implantar largas avenidas, uma marca de modernidade.

Nesta época, Santos Dumont se destacava em Paris. E Dom Pedro II visitará o Instituto Pasteur. Entusiasmado com o que observou, pensa em algo semelhante para o Brasil.  Mais tarde, o próprio Oswaldo Cruz implantará o Instituto Manguinhos, mantenedor da Fiocruz.

De volta ao Brasil resigna-se à clínica médica, mas não por muito tempo. Rodrigues Alves, então presidente da República, em face do descalabro da febre amarela, da peste e da malária o convida para assumir a difícil missão de pôr termo à epidemia. Tem o apoio do prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos.

Missão complexa, contrariava interesses de poderosos e da própria população local. Relocação de avenidas e moradias. Vacinação. A imprensa se opõe, até intelectuais como o poeta Olavo Bilac que, somente mais tarde,  curva-se à realidade.

Schopenhauer já dizia que toda a verdade passa por três fases:1) primeiro é violentamente antagonizada; 2) num segundo momento ridicularizada; 3) finalmente aceita como verdade universal. No caso dos ratos, uma das formas de combatê-los era indenizar quem os capturava. Logo surgiram os charlatães. Aproveitadores de plantão. Vejam o texto: Ratos Cariocas: “O charlatão – denunciado-, foi à polícia   e disse mais ou menos o seguinte: que anunciara que compraria ratos e tanto por cabeça, mas ratos cariocas, procriados, nascidos, amamentados e apanhados aqui no Distrito Federal”.

A Revolta da Vacina mexeu a estrutura da sociedade carioca. Houve mortes, atentados e toda a sorte de questionamentos. A firmeza de Rodrigues Alves, de Pereira Passos e Oswaldo Cruz foi decisiva.

O Rio de Janeiro de então adquiriu novos ares, mas até o fim da vida Oswaldo Cruz foi duramente hostilizado. Retira-se para Petrópolis, mesmo   assim não lhe trégua.

Neste período, premiado em Berlim participada de um congresso internacional de saúde pública. A exemplo de Rui Barbosa em Haia, projeta um novo Brasil.

O jornal O Malho, numa charge expressa o espirito vigente, então:

–  Alemão- Oh! Eu lembro muido do zenhor quando zeu povo chamava zenhor   de mada-mosquito… Agora zenhor tira primeiro prêmio… Bergunto: zeus padricios ainda chamara zenhor de mata-mosquito.

-Oswaldo Cruz- Não sei…Meu país só reconhecerá o mérito de seus homens de ciência quando abandonar a politicagem de campanário… Ou quando eles morrerem, o que é mais certo”.

 

Joinville, 14 de março de 2021

 

Onévio Zabot

Engenheiro Agrônomo

 

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