Aconteceu dia 24 (Alessandro José Machado)

 

Aconteceu dia 24

Alessandro José Machado

 

Tudo é fantástico quando se é criança. Sonha-se o tempo todo e o tempo todo se dedica a brincadeiras com os amigos. Devia ser assim para todos.

Dia 24 de dezembro. Não dava para precisar o ano, mas devia ser metade dos anos 80. Era um sábado, e o Natal iria cair no domingo. Que dia lindo para ser Natal. Todos os natais deviam cair num domingo. Na aula de catequese, quando o Padre Jeremias deixou a palavra livre para que qualquer pergunta fosse feita, devia ter feito essa. Por que o Natal não é sempre num domingo, ao invés de perguntar se padre usava cueca. Era uma dúvida de todos os meninos, mas ninguém ousava perguntar. Só o viam com aquela batina escura, longa, um pouco esfarrapada na barra, que usava sempre, mesmo quando não estava em atividade eclesiástica. Devia ter uns 70 anos na época. Na verdade, dizia que ser padre era uma vocação, como a dos médicos e policiais. Não se deixa de ser médico ou policial quando se está de folga.

Dia lindo. Queria uma bicicleta, mas seus pais não tinham condições de comprá-la, então disseram que o Papai Noel não poderia trazer coisas muito grandes no trenó.

A missa era às 7 da noite. Dia de usar aquela calça nova, usada somente no aniversário, e que a barra já estava curta. Sentia-se um príncipe, olhava para o papai e para a mamãe com brilho no olhar. Passara o dia todo descalço, e os pés verdes de clorofila denunciavam uma tarde de corrida na grama atrás de uma bola.

Na melhor parte da missa, quando o Padre Jeremias dava o seu sermão, ouviu atentamente que o dia 25 era o aniversário de Jesus, pobre, nascido em uma manjedoura, e o maior presente que poderíamos ganhar era aceitar o Enviado de Deus em nossos corações. Pensou, na hora, que esse seria um grande presente, e que caberia no trenó do Papai Noel. Subitamente sentiu uma grande energia passar por todo seu corpo, quando apertava fortemente as mãos de seus pais.

Naquela casa a ceia não era à meia-noite. Era um jantar normal, salvo com uma farofa de linguiça e uma torta de bolacha de sobremesa. Isso não tinha todo dia. Às 10 horas todos já estavam na cama. Sua benção pai, sua benção mãe, e o confortante Deus te abençoe e o “não se esqueça de rezar” para finalizar.

Adormeceu rezando. Rezando e pensando no trenó do Papai Noel, imaginando onde caberia seu presente. Sonhou com as palavras do padre Jeremias, e em seu sonho imaginou em seu coração puro e infantil se aceitar Jesus no coração faria o bom velhinho encaixar seu sonho no bagageiro.

Dia 25 de dezembro. Os olhos se abrem já ao amanhecer do dia. A curiosidade em saber o que teria de presente e a ansiedade o jogaram para fora da cama em um sobressalto. Na sala, debaixo da humilde árvore de Natal, feita de uma copa de pé de pinus, estava a reluzente bicicleta. Não podia acreditar.

Seu pai, em segredo, tinha ganhado a bicicleta em um sorteio da firma, na véspera, e a trouxe em segredo para casa.

Realmente, milagres acontecem no Natal.

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