Born in Joinville (Marinaldo)
BORN IN JOINVILLE
Joinville cidade, Joinville berçário, às vezes reformatório, espaço de reciclagem, lugar de deslumbramento, morada dos que vem de fora, cercada de verde e montanha, de costas para sua costa, terra de empresários e colonos, mãe de índios que já se foram e outros que se renovam, berço de sambaquis e vestígios, éden da chuva, inferno de abafamento, território de gente trabalhadora, batalhadora linguagem rimando com sua poesia…
Na tentativa de adjetivar a cidade vou de encontro a um infinito de possibilidades. Para os saudosistas eu escreveria sobre os confins da memória, e traria à tona prédios que já tombaram, fotos que amarelaram, tardes que já existiram, praças que nos alegraram, cinemas que se destruíram, bares que já se fecharam, beijos que nunca calaram, bocas que pouco disseram, nomes que vieram de longe, cenas que jamais sumiram, lugares que nunca esqueceram. Escrevo na tentativa de provocar na lacuna da lembrança de cada um que lê uma fuga para que este invada e preencha com seus elementos, com seus adjetivos, com seus alimentos feitos de miragens sempre maravilhosas que trazem o passado até aqui. Para os que começam a conhecer a cidade agora, imagino como serão os muros, como picharão as pedras que Caco de Oliveira rabisca de enigmas, quem governará a cidade que um enfeita e o outro enfeia, como estará o palacete que já foi hotel e hoje é depósito, qual será o propósito dos futuros ciclistas, se existirá o Mirante e para onde ele apontará, como a menina do futuro lembrará do primeiro beijo, e se a bailarina continuará sendo mulher e sendo vitrine, e se a tradição continuará firme perante uma modernidade que se apresenta tão líquida, e por isso, tão contundente.
Nascido em Joinville faço coro a outros que aqui nascem, sem esquecer da construção constantemente em obras que sou e somos, e por isso, dedico esta crônica a todos aqueles que nascem diariamente nesta e para esta cidade. Escrevo lembrando dos grandes achados dos poetas, das cartas-homenagens, das referências que gente célebre fez a seus lugares de honra, e assim quero também deixar a minha armadura, porque é com ela que me levanto para enfrentar as batalhas, e foi com ela que neste lugar abençoado me transformei, aproveitando cada fase de cada ausência e de cada sístole e de cada diástole. Não há como falar deste local de nascimentos meus sem tocar no guri que morreu para o nascimento do maduro, e deste que se anuncia para o nascimento do velho. Não há como negar ao novo o direito de dar sua cara. Não há como não aceitar que para o tempo não se pode fazer nada. Não há como esconder que sou fruto do mangue e da periferia mesmo com condecoração e com medalha. Também não há essa necessidade. Mas também não há como esconder que nasci guri para virar poeta, ou já nasci poeta para escrever sobre a poesia, ou já nasci velho para aproveitar a juventude, me deslocando a pé pela Avenida Cuba, pelos bailões dos bairros, ouvindo Terno de Reis e pagando a prestação da missa, observando os vitrais da Catedral com o mesmo encanto com que vi pela primeira vez o lustre magistral do Harmonia Lyra. Nascido em Joinville faço menção a todas as pessoas que nascem todos os dias. Alguns nascem pequenos, outros nascem grandes, alguns nascem despois que aprendem a ler, outros depois que aprendem a ver, tantos depois que aprendem a rezar, alguns quando desaprendem. Nascem os velhos quando se infiltram na teimosia, nascem os jovens quando retiram-se da hipocrisia, nascem milhares de pessoas aqui, nascem os filhos desta terra para respirar o seu ar, para brincar de combinar trabalho com amar.
Marinaldo de Silva e Silva