Chorar é bom (Fiuza)

Chorar é bom

Ronald M Fiuza

Homem não chora. Eu engoli meu choro durante toda a adolescência, a um custo que só eu sei. Mais tarde permiti algumas lágrimas em público, ainda envergonhado. Depois desandei.

Lá pelos vinte e poucos anos eu estava em estudos na Alemanha e fui visitar um museu de arte, com um amigo inglês, colega de lá. Era a primeira vez em que eu entrava em um bom museu. Eu dividia minha atenção entre os quadros, fascinado pela beleza da exposição e pelo museu em si, mas sem me prender a nenhuma obra em especial. De repente o meu amigo parou diante uma pintura de Rubens e, ali, estático, chorou. Eu fiquei observando a cena de lado. Estava admirado com aquela capacidade de se emocionar, ali, diante de um simples quadro. Eu invejava também a coragem de manifestar a sensibilidade em público. Sentia também um pouco de vergonha da minha falta de cultura, da minha impossibilidade de experimentar o mesmo.

Acabei chorando diante de um quadro, isso mais de dez anos depois. Desde então, isto ocorreu algumas vezes. Rembrandt, Velásquez, Renoir, Monet, Picasso, todos já me emocionaram, intensamente. Confesso a vocês: Como é bom esse tipo de choro! Parece que estamos abraçando a obra e o artista. Passamos a fazer parte daquele mundo.

A função do choro não é bem compreendida, mas parece ter algo a ver com comunicação. A expressão facial, a entonação da voz e a postura corporal são, às vezes, insuficientes para demonstrar o grau da emoção. Aí choramos. Quem chora de tristeza mostra aos outros sua fragilidade, pede ajuda. Do outro lado, quem chora junto demonstra sua solidariedade, diz que está pronto para amparar. A partir dessa equação simples, a experiência humana foi sofisticando essa forma de comunicação. Desde então, os homens (as mulheres principalmente) choram muito.

O choro alto de uma criança funciona como alerta de que algo está errado. O bebê, por exemplo, torna explícito que o seu desconforto tem prioridade e deve ser resolvido. Depois evolui e a criança aprende a demonstrar suas demandas, as mais ou as menos importantes. As diversas culturas e épocas têm grande influência nessa manifestação. Dependendo da reação da mãe, o bebê se torna mais birrento ou tende a “engolir o choro”. Quando cresce, a criança costuma aprender a usar o choro a seu favor e o faz com maestria.

Já o choro de tristeza do adulto indica mesmo perda, infelicidade. Seu pranto denota dor e amargura, muitas vezes acompanhada de desamparo. Pode ajudar em si, proporcionando, por exemplo, um bom desabafo. Mas os soluços funcionam melhor ainda porque provocam a aproximação das pessoas, a vinda do amigo, o seu consolo. O amigo, além do carinho, pode ainda responder com o choro solidário, como o pranto coletivo que ocorre em velórios. Há também outros tipos de choro. Nós conhecemos o choro empático, aquele que ocorre nos noticiários e em filmes e o choro das emoções estéticas, como nas artes e na música. Mostram um nosso lado sensível, bom.

Até há pouco tempo, homem não podia chorar, entre nós. Passaram a fazer isso escondido. Hoje é mais aceito e até demonstra sensibilidade.

Até hoje me envergonho quando choro no cinema. Mesmo assim, virei chorão. Se colocam a música certa, na hora adequada, eu embarco. Há alguns meses levei quatro netos ao cinema, para ver um desenho animado sofisticado, em 3D. A história era emocionante, sobre cegonhas e bebês. Sentamos lado a lado, com nossos óculos. Só eu chorei.