Diligências Monich em Joinville (Cristina)

Diligências Monich faziam o transporte entre Joinville e o Planalto

Maria Cristina Dias

Transporte de passageiros e mala postal para Campo Alegre e São Bento do Sul levava dois dias no final do século 19

No final do século 19, ir para o Planalto Norte era uma verdadeira aventura. Mas necessária. A Estrada da Serra, também chamada de Estrada Dona Francisca, avançava, abrindo caminho para as trocas comerciais que dariam impulso ao desenvolvimento da região e para o povoamento do local, com o estabelecimento de núcleos que viriam a se tornar no futuro os municípios de São Bento do Sul e Campo Alegre. A erva-mate descia a princípio em lombo de burro e depois em carroções puxados a cavalo. O transporte de pessoas, porém, não tinha um serviço em especial e podia levar dias. Em 1881, o imigrante Carl Monich vislumbrou nessa dificuldade uma oportunidade e abriu a “Empresa de Diligências” ou”Empresa Monich”, com uma linha regular de transporte ligando as duas localidades, que levava passageiros e fazia o serviço de mala postal entre Joinville e São Bento do Sul, aproximando as duas localidades. A linha funcionou por mais de três décadas e marcou a comunicação e os transportes da época.

A origem do serviço de diligências para o Planalto, porém, foi o serviço postal. Tataraneto de Carl Monich, o advogado Paulo Roberto da Silva conta que o imigrante chegou a Joinville em 1857. No ano seguinte, o governo Imperial implantou o serviço de correios na região e o nomeou estafeta, com o salário mensal de 75$000 (setenta e cinco mil réis). Com isso, realizava duas viagens por semana, a cavalo, entre Joinville e as redondezas, levando e trazendo a correspondência.

Como ele chegou a ser indicado para esse serviço, não se sabe ao certo. Paulo, que pesquisou sobre o serviço de diligências nos livros que contam a história da cidade e nos relatos de família, explica que Monich era ecônomo (administrador) e comerciante, casou-se logo que chegou à colônia com a companheira de viagem, Maria Elisabeth Beer e foi morar em uma casa na esquina da rua 15 de Novembro com rua Criciúma. Ela, porém, apresentou problemas psíquicos e no ano seguinte foi internada em um sanatório no Rio de Janeiro, onde faleceu em 1863. Paulo Roberto da Silva estima que nessa viagem ao Rio, Monich tenha travado os conhecimentos que levaram à sua nomeação para os Correios. Nessa época, a Colônia Dona Francisca não tinha mais que 1.700 habitantes, a maior parte deles espalhados fora da sede, na “área rural”.

O certo é que ele durante anos ele se encarregou da tarefa, ao mesmo tempo em que assumia diferentes papéis na vida pública da Colônia.

Ofício dos Correios foi o pontapé inicial

Em 1881, um ofício da administração geral dos Correios ao então diretor da Colônia, Frederico Brüstlein foi o pontapé inicial para a instalação do novo serviço de diligências. A empresa autorizava a criação de uma agência dos Correios na então freguesia de São Bento do Sul e solicitava que o diretor informasse “qual despesa provável com a dita condução, tres vezes por mez, de Joinville a São Bento e vice-versa, bem como qual o indivíduo com aptidão para exercer o cargo de Agente.”, segundo consta no livro “São Bento do Sul – Subsídios para a sua História”, de Carlos Ficker.

A agência foi aberta em maio, sob comando de José Seraphim de Oliveira (que só ficou no cargo até novembro) e o serviço de estafeta estabelecido entre as localidades. “É quase certo que tenha sido Carlos Monich o estafeta escolhido para tal missão”, diz Paulo.

Não demorou para Carl Monich firmar contato com a presidência da Província de Santa Catarina para realizar o transporte de passageiros e mala postal entre Joinville e São Bento do Sul. E em setembro de 1881 era inaugurada a primeira linha de diligências da Empresa Monich.

“A viagem era feita três vezes por mês, ida e volta, com a mala postal, ficando o transporte de passageiros por conta própria do senhor Monich”, escreveu Carlos Ficker em seu livro “História de Joinville – Crônica da Colônia Dona Francisca”. Ele prossegue informando que as viagens partiam da agência dos Correios, em Joinville, e seguiam até a agência de São Bento.

As carruagens levavam quatro passageiros de cada vez. “A primeira diligência partiu de Joinville no dia 7 de setembro de 1881, às 10 horas da manhã. Já às 9 horas o povo reuniu-se em frente da Agência Postal e acompanhou com entusiasmo os “vivas” que foram dados por Carlos Monich, depois do breve discurso de Carlos Lange, dando por inaugurada a linha de diligências. A viagem foi realizada em duas etapas: o primeiro percurso, de 40 quilômetros, até o alto da Serra, onde existia uma estalagem no local “Blocksberg”, e o segundo percurso, depois da troca dos cavalos, até São Bento, em um dia de viagem. Depois de um descanso de dois dias, a diligência voltava a Joinville, também com mudança de cavalos na estalagem “Blocksberg”, em um dia de viagem para os 85 quilômetros de caminho”, escreve Ficker no livro em que conta a história de São Bento do Sul.

Adolfo Schneider, em seu livro “Memórias (de um menino de 10 anos) -vol.1” revela que essas diligências eram carruagens com cocheiro e um ajudante sentados na frente. Na parte de trás havia dois bancos paralelos para mais seis ou oito passageiros e um banco transversal que podia ser ocupado por mais uma pessoa. Os passageiros subiam por uma “estreita escadinha de degraus de ferro, que havia nos fundos, onde também havia uma portinhola”. “Eram troles sem portas laterais”, complementa Paulo Roberto da Silva, explicando que os cavalos tinham guizos em volta do pescoço para serem ouvidos de longe – as pessoas ouviam e iam para a frente das casas receber as suas encomendas. Na parte da frente havia um baú com tampa, onde eram colocadas as encomendas e cartas.

Neste livro, Schneider informa que as partidas saíam da frente do Hotel Beckmann, na esquina das ruas do Príncipe e 15 de Novembro, e subiam a Serra – referindo-se a um segundo momento da empresa. “Era o hotel mais importante da cidade e onde quase sempre havia passageiros que desejavam viajar para algum lugar situado ao longo da estrada Dona Francisca”, afirma. “Na volta os passageiros eram deixados nas suas residências”, informa Paulo Roberto.

A viagem era longa. Em seus relatos, Schneider revela que por volta do meio-dia a diligência parava no km 24 da estrada, na estalagem do Simm. Lá, os passageiros podiam almoçar e os cavalos eram tratados. Quando havia muitos passageiros, eram acrescentados mais dois cavalos para ajudar na subida da Serra. No quilômetro 42, nova parada, desta vez para passar a noite. Neste local havia duas estalagens: do senhor Kunde e do senhor Schrappe.

No dia seguinte, o grupo rumava até Campo Alegre, onde parava e almoçava. E de lá para São Bento do Sul. A quarta-feira era destinada ao descanso dos cocheiros e cavalos (e manutenção) e na quinta eles já partiam para a viagem de volta.

A partir de 1900, Carl Monich passou o negócio para o único filho homem que ainda vivia em Joinville, Harry Monich. Por volta de 1907, além da linha para São Bento do Sul, a empresa mantinha uma linha especial, que levava os trabalhadores até a Usina Hidrelétrica do Piraí, na área rural de Joinville. Mas os tempos estavam mudando e a chegada do transporte ferroviário, pouco depois, abalou o empreendimento que foi interrompido no início da década de 1910.

Quem foi Carl Monich

Carl Monich nasceu em 1828, em Schwerin, capital do então Grão-Ducado de Mecklemburg-Schwerin, ao norte da Alemanha, em uma família de pastores luteranos. Era ecônomo e comerciante. Imigrou no navio Trident, em 1857, para a Colônia Dona Francisca, onde se estabeleceu em um terreno na esquina das atuais ruas 15 de Novembro e Criciúma.

No livro do Centenário de Joinville, é apresentado como “o pioneiro do serviço postal em Joinville”, mas além disto e do serviço de diligência para transporte de passageiros e mala postal teve expressiva atuação social e política na vida local.

Participou de uma das mais antigas sociedades de Joinville, a “Schuetzenverein zu Joinville” (“Sociedade de Atiradores de Joinville”), e emprestou seu terreno para a primeira sede da entidade. Também integrou a Loja Maçônica “Deutsche Freundschaft zum Südlichen Kreuze” (“Amizade Alemã ao Cruzeiro do Sul”).

Filiado ao Partido Liberal, foi vereador de Joinville por três mandatos e em 1877 assumiu a presidência da Câmara Municipal, cargo que, na época, exercia também funções executivas que depois ficariam a cargo dos prefeitos. Faleceu em janeiro de 1906.

Esta reportagem de Maria Cristina Dias foi publicada originalmente no jornal Notícias do Dia, em 2014

A foto mostra a diligência de Carl Monich em frente ao Hotel Esperança em Campo Alegre, sendo recepcionada pelo Conjunto Musical Carlos Gomes. Informação de Lauro Schwarz. Acervo Arquivo Histórico de Joinville.

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