Dizem as rosas
As rosas de novembro estão a bem dizer mesmo esse tempo sujo que nos acomete. Pequenos espaços de chão tomados às calçadas, os últimos aclives na culminância do outeiro onde ocupam o lugar das urtigas, roseiras cultivadas ou touceiras selvagens, em pequenos aglomerados de estrelas vegetais, as rosas desabotoam sua carnação em forma de seis e desabrocham provocantes habaneras carmesins. Estão floridas nas bordas do jardim das dálias, tão perfeitamente floridas que suas pétalas dormem na imaginação de Deus. Poderia tomar uma delas entre os dedos e depositar sobre a língua até que se derreta na perfeita comunhão mística. Rosas pequeninas, às pencas, transpassam o gradil do velho cemitério, em regurgitante renúncia à eternidade. Outras, as imensas, quase romãs viradas ao avesso, ofertam entranhas de rútilos rubis ao desjejum do poeta persa, Mevlâna dos Dervixes Rodopiantes.
A manhã transborda no gorjeio rouco de um sabiá. A ave invisível entre as folhas da palmeira tece a alvorada, liquefaz o orvalho num espelho pingente e ovalado que ainda reflete os astros da noite que passou. Nos intervalos de silêncio, sua garganta polvilha cintilações sobre o cobre da alma enternecida dessa pequena rua que ainda dorme. Uma onda crespa e verde com crista vermelho-sangue se alça sobre o muro. Levou toda uma primavera para elevar-se, sem pressa nem pausa, até galgar a última fieira de tijolos e bordar uma espessa franja do outro lado. Forma o tropel de uma cavalaria da qual só se divisam as crinas. Os muros estão sujos, surdos e imóveis. No entanto, cavalgam na ondulação das roseiras e consomem os zumbidos dos insetos como quem se serve de uma bombonière.
Para os lados do mar, as nuvens se preparam em posição de ataque contra a montanha, o ar respira com dificuldade para não despertar ribombos. Um aviso pede para não pisar nessa forma frágil que ela se desfaz em mágoas. Com vigor selvagem, rigor artístico e os espinhos da poética, os roseirais novembrinos desafiam nosso pessimismo. Na metáfora do tempo e suas tempestades de areia, rosas mordem os calcanhares de frivolidades que germinam nas entranhas do próximo verão.