Edições Maravilhosas (Hilton)

EDIÇÕES MARAVILHOSAS
Hilton Görresen

Sempre tenho dito que meu primeiro contato com a literatura foi através dos livros deixados por meu avô. O velho, que não cheguei a conhecer, era músico e jornalista (certamente da época parnasiana, em que se teciam longos e complicados parágrafos). Mas isso não é bem verdade: na realidade, meu primeiro contato com literatura foi através das histórias em quadrinhos.
Existia, nas décadas de 1950 e 1960, uma coleção chamada “Edições Maravilhosas”, quadrinização de obras literárias mais populares, a maioria delas compiladas de uma publicação americana. Mas havia também as obras brasileiras, como a de José de Alencar, e até a de meu tio, Brasil Gerson, sobre Garibaldi e Anita, premiada pela Academia Brasileira de Letras. Aliás, o primeiro volume da coleção que me interessou – e eu mal sabia ler – foi “O Guarani”, principalmente pela cena do índio Peri enfrentando uma onça.
Essa coleção era muito comum por aqui. Já era antiga em meu tempo de garoto, mas sempre havia alguém possuidor de um ou dois números em casa, para emprestar ou trocar. Era raro casa em que houvesse leitores de gibi onde não se encontrasse um volume de Edição Maravilhosa. Nunca com uma capa novinha, cheirando a tinta, como os gibis mensais com fotos dos caubóis famosos.
Na casa de meu tio, onde habitavam (que beleza!) sete primos, tomei contato com “Ivanhoe”, de Walter Scott (aliás, só eu mesmo para lembrar disso), fascinado pelos duelos de lanças entre cavaleiros de armadura.
No tempo de ginásio, me caíram nas mãos “O homem que ri”, de Victor Hugo, “Os mistérios de Paris”, de Eugene Sue, “Verdes moradas”, de W.H. Hudson, uma bela história passada nas selvas da Venezuela, “Sob duas bandeiras”, de Maria Louise de La Ramée, meu primeiro contato com as aventuras na Legião Estrangeira, no norte da África, depois revisitadas no trágico filme “Beau Geste”; “O Gaúcho”, de José de Alencar, “Tom Sawyer“ e Huckleberry Finn”, de Mark Twain.
Na casa de um tio solteirão encontrei, e não deixei de ler na hora, “Oliver Twist”, de Charles Dickens, e “O último dos Moicanos”, de Fenimore Cooper. O “mocinho” da história não era o moicano do título, mas sim o caçador, com um gorro de pele de castor na cabeça, tipo Daniel Boone.
Estou citando apenas aqueles de que mais gostei, pois isto pretende ser uma crônica e não um rol de obras da biblioteca pública. É claro que essas leituras destacavam apenas o enredo, as “estórias”, omitindo a beleza intraduzível dos textos. Mas valeram como aperitivo.
TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 11.01.2020

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