Imaginários (Marinaldo)

IMAGINÁRIOS

Marinaldo de Silva e Silva

Metabolismo de vidro. Fôssemos transparentes. Quanta coisa viva morreria. Quanta ideia ficaria amorfa. Vendo tudo, tudo fica alugado. Tudo fica alagado. O metabolismo então seria uma leitura exata. Apareceria a agulha que perdeu-se dentro da garganta. A gilete, embaixo da língua, estaria esticada na traqueia. Talvez veríamos que as cordas vocais fossem como fios de cabelos, e os fonemas assim, pudessem ser mudados num salão de beleza.

Metabolismo de vidro, espírito de feltro. Nos olhos de uns, a pele uma lã de vidro. Nos de outros, nem lã, apenas vidro, mas talvez, ninguém viu o que tinha que ser visto, porque é difícil olhar o que é visível. No imaginário o encontro entre busca e expectativa se torna mais real. Ou pelo menos mais íntimo.

Na intimidade, o cachorro se aproximaria sem nenhuma cobiça. Ele não mais se espreguiçaria e talvez não sorrisse mais com o próprio rabo. Talvez nem latisse. Talvez fugisse, apenas, porque não seria mais interessante aquele dono transparente, sem nada de interessante para esconder.

À meia noite, quando todos pensavam que ele dormia, se faria ela. Se homem fosse, viraria Estela. Se mulher, Estrela. Porque toda mulher tem um raspão a mais no meio da palavra.

Ao meio dia, criatura perfeita, ficaria olhando para as galáxias e veriam todos os planteis dentro do seu ecossistema. À luz do dia veriam, cravado no coração, um S de suspeito, e então ali, descobririam que o coração nunca esteve nem no meio e nem no esquerdo do peito: no seu lugar vivia um pássaro que vive a cantar para um outro pássaro, que de palha, move-se ao vento fingindo-se de vivo.

Metabolismo de vidro. Vírgulas não causam mais parada. Pra quê respirar? Pra que dar sentido ao sentido e imaginar,  se o mais bonito, é Realizar?

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