Justiça cara

Essa aconteceu aqui por perto, numa cidadezinha próxima. Mas que não deixa de ser uma comarca.

Um fazendeiro da região procurou um advogado para ingressar com uma ação judicial envolvendo terras e, tão logo ingressada a ação judicial, brigou com o mesmo pela demora na concessão da liminar. O juiz entendeu pela audiência de justificação prévia.

Resolveu então contratar outro advogado. Mas espalhou aos quatro ventos que o juiz tinha-lhe exigido dinheiro para julgar a seu favor.

Cidade pequena, povo em polvorosa, o assunto correu dos bares ao gabinete do magistrado. Muito chateado, foi o primeiro a informar a Corregedoria sobre o boato que circulava na cidade.

Foi orientado a realizar a audiência que aprazara dias antes e chamar o apoio da Polícia e do Ministério Público.

E assim foi feito.

Chegou o dia da audiência e estava lá todo o aparato: juiz de direito, promotor de justiça, delegado de polícia, partes e advogados. E, claro, muitos estagiários e alguns repórteres por meio deles escondidos. Vai que dá um furo de reportagem.

Seu novo advogado chama-o num canto e indaga:

– O senhor tem mesmo certeza que o juiz lhe exigiu dinheiro? Olhe lá, hein? Isso é grave, muito grave! O senhor está por sua conta e risco. O que o seu antigo advogado fez, não posso garantir. Mas se o senhor fala que tem provas e não quer nem me falar, o senhor que arque com as consequências.

– Não duvide de mim, doutor. Sei o que estou fazendo. Eu lhe garanto que o juiz me pediu dinheiro. E não foi pouco!

Aberta a audiência, não deu outra. O próprio magistrado iniciou o assunto, dirigindo-se ao autor:

– Eu soube que o senhor está me acusando de cobrar dinheiro para julgar a seu favor. Que história é essa? O senhor pode me explicar? Porque eu já oficiei a Corregedoria, já disponibilizei a quebra de meu sigilo bancário, estão aqui presentes o Ministério Público e a Polícia… o senhor pode me dizer quando e de que forma lhe exigi dinheiro?

O fazendeiro, com a educação rude que lhe é peculiar, não deixou por menos e respondeu no mesmo tom:

– Sim, senhor. Meu outro advogado falou que o senhor exigiu dinheiro para julgar a causa! E não é porque está todo mundo importante aqui da cidade que eu vou arredar as calças para o senhor, não, pois eu tenho até comprovante de que depositei na sua conta! Depositei pra mais de R$ 2.000,00.

Faz-se silêncio geral na sala de audiências.

Aguarda-se o pronunciamento do juiz, que reconforta-se na cadeira e pede para ver o tal comprovante de depósito.

O autor não se faz de rogado e tira do bolso o comprovante de pagamento e entrega ao magistrado. Este olha abismado. Mostra-o ao promotor e ao delegado. Os três entreolham-se e o magistrado dirige-se ao escrivão que digitava a audiência:

– Aberta a audiência, acerca dos fatos mencionados no ofício de fl. 157 enviado por este magistrado à Corregedoria, foi solicitado ao autor o esclarecimento do suposto depósito de dinheiro na conta deste magistrado, ocasião em que o mesmo mostrou o comprovante de pagamento das custas judiciais no valor de R$ 2.143,29. Esclarecidos os fatos, dá-se por suspeito o magistrado de julgar o presente feito, por psicologicamente abalado com a situação, devendo o feito ser redistribuído ao juiz substituto. Cumpra-se imediatamente.

E suspirou aliviado.

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