Mexa-se, o Sol está parado! (Joel)

Mexa-se, o Sol está parado!
Joel Gehlen, crônica A Notícia, 21 12 17

Hoje é o dia mais longo do ano. Teremos tempo para mudar? Ontem morreu o último dia da primavera e não houve um dobre sequer de lamento. Ah, moribunda estação, tanto canto se ouve à sua entrada – poemas, flores, alegrias, renascimento – e na hora da partida, gritas em nossos olhos a migalha de um adeus, sem o ter. Chegas como rainha e partes como mendiga. Quem, dentre os cantores do teu nascimento, lembrou-se de abrir a janela sobre tua despedida? Um último dia deveria ser sempre cerimonioso, há nele algo de inapelável, e todos os acontecimentos banham-se de untuosa luminosidade. Hoje é o verão, amanhã será o Natal e depois tudo recomeça. Eternos passageiros dessa espiral, olhamos a paisagem lá fora como quem viaja de trem, sem saber que é em nós que o tempo trafega.

Hoje é o dia mais longo do ano, quando o próprio Sol se recolhe antes de reiniciar o seu novo ciclo na elevada esfera. Como se houvesse uma gare no ponto mais alto do céu, onde deixa de ser viajante, se põe na contraface de si, fita o infinito e se abisma na sua máxima expansão. A palavra solstício vem do latim solstitiu, que significa “Sol parado”. É quando o astro rei permanece na mesma posição por três dias. Conforme antigas tradições, não fica parado, mas trava uma luta com grande esforço para frear a trajetória em que vinha e recomeçar outra no sentido inverso, em vez de continuar subindo rumo ao zênite e começa a descer na direção do horizonte, até chegar no solstício de inverno.

Após os três dias de luta, o Sol, que torna a trilhar o caminho dos dias e das estações, já não é o mesmo que chegou até ali. É um Sol que venceu a sua tendência, que soube sair do seu centro de conforto, que interrompeu a sua trajetória de inércia. É um novo Sol, renascido de si. A luta do Sol para vencer as suas tendências dura três dias, 22, 23 e 24 de dezembro, para surgir renascido no dia 25 de dezembro. A tradição persa o chama de “natalis invicti Solis”, ou seja “nascimento do Sol invencível”, o Sol do Mitra. Hoje, o Sol vai parar, quedemos eu e você também. Vamos descer do trem que nos leva como autômatos, vamos sentir com os pés e alcançar com os próprios passos a paisagem que vemos anestesiados de tanto seguir sentados no conforto da janela.

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