Morar no exterior

Quando você sente que está mesmo ali, dá aquele frio na barriga. Desta vez não é brincadeira, você não está em excursão. Olha para os lados, vê que tudo é diferente. Percebe que está sozinho. Está frio demais e há um resto de neve pelo chão. Não é linda e branquinha, como você imaginava, mas misturada, uma lama suja, que escorrega. Você se lembra das estradas barrentas de sua terra. As casas são diferentes, também os carros, as placas das lojas, as pessoas. Você sente saudade do aconchego de sua casa, do arroz-com-feijão, da turma do boteco. Mas é a verdade. É aí que você vai passar os próximos anos.

Você está realizando um sonho antigo. Não pode deixar a peteca cair. Nos primeiros dias foi correria, era para conseguir moradia, para arrumar os documentos, para inscrever-se no curso de idiomas. Precisava ainda conhecer o lugar onde iria trabalhar. Esse foi um primeiro contato, superficial, quase de turista.

Agora não, o jogo começa de fato. Você passa a conhecer as pessoas, os costumes, a sentir o choque cultural. Já estudou a língua durante um bom tempo, mas vê que não funciona. Você não os entende bem e não consegue se fazer entender como gostaria. E agora não basta quebrar o galho, precisa dominar. Afinal, você vai estar entre eles, exercendo funções normais! Pesa a responsabilidade de construir a imagem pessoal e, além disso, a imagem de seu país. Não pode gaguejar!

Você trava contato com os primeiros vizinhos e colegas. Gosta da experiência. São pessoas normais, que já introduzem alguns dos costumes locais. Você descobre onde é a farmácia, a padaria, o mercadinho mais barato. Depois de dominar o uso do transporte público, dá longos passeios na cidade, pela qual você começa a se afeiçoar.

Quando você começa o trabalho e a entrar na rotina, surgem os problemas. Algumas pessoas te olham com desconfiança. Talvez não gostem de estrangeiros ou talvez não tenham gostado do seu jeito pessoal. No trabalho você ainda é lento e demora a dominar as práticas, despertando a impaciência do chefe e colegas. Está também difícil de se adaptar com a comida. O dinheiro é mais curto do que você imaginava. Vem uma baita saudade da terra, onde você é, de verdade, amigo do rei.

Finalmente você se adapta, aprende rápido, se desenvolve, cria vínculos. Domina a língua, mostra que é bom no que faz, é reconhecido. Começa uma sensação de pertença, que lhe agrada muito. A maioria das pessoas lhe trata bem, você se sente quase em casa. É o momento em que caem os preconceitos, seus e deles. Você reconhece pessoas boas e outras nem tanto, igualzinho em seu país.

Momentos de nostalgia surgem aos montes. Nas reuniões de brasileiros, todos tentam matar a saudade de falar português, de comer a nossa comida, de cantar a nossa música. Conhecemos alguns compatriotas que não se aclimataram, que vivem em guetos e sonham o tempo todo em voltar. Outros estão satisfeitos com a vida ali e nem pensam mais na feijoada aos sábados.

No final você volta, mais rico em experiências e conhecimento. Lembra-se dos momentos difíceis, mas está cheio de histórias pra contar. Sabe que as coisas que aprendeu irão diferenciá-lo. Sabe que vai começar um novo sonho, agora em casa. No seu berço.

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