Nelci (Marinaldo)
Texto-presente para NELCI SEIBEL
Marinaldo de Silva e Silva
Eu entendi tudo quando comecei a ler, hoje cedo, fatos da sua vida, textos que escreveu e se emocionou, coisas que criou implantando na ficção suas verdades, provando que toda ficção é um tanto biográfica e toda biografia, um tanto literária. Eu entendi seu olhar e sua fé, as suas convicções, percebi seus bons princípios nascidos contigo em Bom Princípio, lá no Rio Grande do Sul. Fiquei tão curioso pelo nome da cidade que fui conferir, e me encantei, apaixonado que sou pela ludicidade, ao ver que o pórtico dela é um imenso morango! Para uma mulher que se acostumou a falar sobre turismo, sobre apreciação, sobre observação, sobre o bem querer dos lugares, imagino que se enamore do seu morango com todos os bons princípios que lhe cabem. Com os bons princípios que valorizam o seu status de promotora, de quem reporta histórias, de quem entrega cucas para seus entrevistados, de quem olha para as janelas das casas e lê em suas soleiras, histórias de gentes e de lugares.
Pesquisar sobre os acadêmicos tem sido um exercício afetuoso, e proveitoso. Encontro com pessoas que eu não conhecia, descubro pessoas que eu aparelhava de outro jeito, construo um afeto e uma Graça. Lendo textos seus, dona Nelci, me deparei com um tal de Eduardo, que perdeu a festa de ano novo para salvar uma família da enchente. Não sei quem é, ou foi Eduardo, da Estrada da Ilha, mas eu me afeiçoei desse sujeito! Assim como estive contigo, adentrando em casas antigas em São Francisco do Sul, quando você pesquisava para a produção de seu livro falando sobre as construções históricas daquele lugar. Eu criei imagens que você nem imagina, dentro de mim, imaginando o senhor de 90 anos te abrindo as portas naquele dia, da senhora te pedindo para cuidar da capa dos arquivos dela, enquanto olhava, já empanturrada de tanto comer, para o último pedaço de cuca que você havia trazido. Adoro essa criação, essa Graça, esse poder. Penso que nós todos, daqui, valorizamos esse fato, esse sopro, essa alma que damos a tudo que já andava desalmado. Você, Dona Nelci, cita isso num de seus textos, parafraseando Fernando Pessoa: “Viver não é necessário, o que é necessário é criar!” E é por isso, que eu vou adentrar numa de suas confissões, buscando realizar um de seus sonhos, criando, imaginando, buscando te dar de presente, neste dia 27 de abril de 2022, em que você faz 29.865 dias de vida!
ESTREIA
PEÇA PARA PIANO: UMA MÁSCARA PARA COLHER MEL DAS COLMEIAS, inspirada na canção “Que será, será”.
PIANISTA: NELCI SEIBEL
… Da plateia eu a via, olhava entre a cortina, parecia nervosa. Quantas coisas pensava naquela hora, tudo que tinha feito. O semblante era de quem colecionava histórias, mas os olhos, eram de quem as ouvia pela primeira vez. Eu estava ansioso, diziam que a pianista era uma mulher autêntica, que tinha viajado por vários lugares, plantado árvores, tido filhos, escrito livros! Como eu adorava piano estava ávido pelo momento em que ela tocasse a primeira tecla. Estava curioso para saber que peça era essa, de autoria dela, que tinha um nome tão doce de tão presente. Estávamos há um sonido para a entrada dela. Eu havia escutado que ela tinha se preparado a vida inteira pr’aquele momento. Imaginei ela trazendo suas aulas de tricô, as preocupações com os filhos, a febre do menor aos 7 meses, a primeira vez em que viu a casa vazia porque todos já tinham crescido. Com certeza tudo isso estaria em suas mãos, na força dos dedos, se refletiria sobre as teclas, transformariam a música…
A sineta soou pela última vez. Todos se acertaram nas poltronas. Os filhos, na primeira fila. Alguns escritores, entre eles, eu, estavam curiosos. Eu, mais feliz por ela realizar o sonho, mesmo que ela não soubesse que eu estava ali. Quando entrou tinha os cabelos presos num coque. A luz batia sobre sua cabeça e fazia resplandecer a presilha nos cabelos, toda em strass, mas que pra mim eram diamantes. “Com vocês, Nelci Seibel”, disse o anfitrião. Fez-se um silêncio. Um cheiro de mel perfumava o ar, imagens de abelhas e de um apicultor, em preto e branco, eram cenografia e sonho. Eu senti que ela respirou fundo. O brilho de uma gotinha de lágrima, bem contida, brilhou mais que o strass. Sua mão esquerda saiu de cima do joelho, ela a depositou no ar. Menos de um segundo. E quando desceu veio o primeiro acorde. Ela olhou pra todos. Sorriu, chorando, e começou a tocar enquanto a gente provava o mel que ela nos dava…
Ac. Nelci Seibel