O Zhuangzi (Walter Guerreiro)

 

O ZHUANGZI

Walter Guerreiro

 

Obra fundamental na filosofia chinesa que influenciou até hoje o estilo de vida e a consciência social no Extremo Oriente, o Zhuangzi surge no século IV a.C., e na tradição é creditado a Zhuang Zou (369-286 a.C.) da cidade de Meng, estado de Song no sul da China.

Giorgio Sinedino, sinólogo, tradutor, comentarista e crítico, diplomata e cidadão brasileiro vivendo em Macau, o traduziu pela primeira vez em português, e o Instituto Confúcio da UNESP publicou “ O imortal do Sul da China: uma leitura cultural do Zhuangzi” que inclui um ensaio essencial, ressaltando-se tratar de obra comentada para compreendermos a profundidade e originalidade, que perpassa o ceticismo da Verdade diante das contradições, sinalizando evitar juízos de valor e unindo o Taoísmo ao Budismo Zen, na percepção da Natureza.

Nas três grandes tradições do período dos mestres temos a mais famosa, o Confucionismo de Confúcio, o Mestre Kong (551-479 a.C.), seguido pelo Moísmo do Mestre Mo (470-391 a.C.) com posições opostas às de Confúcio, já que enfatizava o mundo material dos artesãos ao invés do espiritual, e, finalmente, o Taoísmo de Zhuang Zou, que teria sido influenciado por Lao Tsé (571-531 a.C.), embora este direcionasse a importância da política e economia quanto à existência, enquanto Zhuang apontasse para o percurso individual na existência. A tese de Zhuang era de que o homem deve se voltar para seu íntimo no caminho da liberdade emocional, se afastando do engajamento através do poder, algo inédito à época, embora existissem eremitas apelidados de imortais pela prática de técnicas de longevidade. Zhou não estava a serviço de uma corte e se recusava por princípio a assumir cargo burocrático como intelectual, entretanto, seus textos compilados em “O imortal do sul da China” abordaram as principais questões de um mundo em transformação. Obra plena de qualidades, desde sua técnica através de parábolas, alegorias e anedotas com humor e ironia, trata de fatos históricos nas emoções, os sete capítulos se articulando num todo.

O Zhuangzi possui 33 capítulos sendo que os sete primeiros: Liberdade, Saber, Vida, Autoconfiança, Beleza, Morte e Tao são atribuídos a Zhouang, os quinze seguintes aos seus discípulos, e os onze restantes a pessoas que não participaram diretamente da compilação.

Um breve olhar sobre o primeiro capítulo, o da Liberdade, dá a tônica ao Zhuangzi, explora a capacidade do indivíduo de encontrar a si mesmo conciliando a viagem, o Tao, com a metáfora da liberdade na fuga da sociedade como viajem emocional e abstrata, em um desafio na busca da autodeterminação. É a história de um peixe que vive em águas profundas, negras, ao norte onde termina o mundo; um dia suas barbatanas crescem e ele se transforma em pássaro – seu nome é Fênix, ele se lança ao vazio além das águas, é envolvido pelos ventos da monção, migra para os pélagos do sul onde termina tudo; ali são águas profundas, cerúleas, límpidas e abissais, voa em direção aos céus, o sopro divino para ele é um manto de vento e pó, faltam-lhe forças e deita sobre o dossel azul. E emenda: encontra uma codorna que se ri e se pergunta: e para onde vai ele? Um saltinho já me basta para voar, um pequeno espaço me é suficiente para pousar, adejo pelos crisântemos, isso é que é voar! E aquela fênix lá, para onde vai? Conclui o filósofo, assim discriminamos o grande do pequeno; a fábula acentua a grandeza da pequenez, o sentido analógico do Taoísmo, a metamorfose do peixe em ave como representação da passagem da energia do Yin (ao norte como elemento água) para a energia pura do Yang (ao sul como elemento fogo). Fala do macrocosmo no sentido fisiológico ao descrever o tipo de transformação que o praticante do Taoísmo deve sofrer para renascer, uma vez que Yin e Yang são estados puros e imperecíveis, a Fênix como modelo da perfeição humana em jornada solitária.

Finaliza sua obra com uma fábula, diríamos um mito, o da cosmogonia taoísta. Trata-se do Caos, a situação primeva do Universo quando Yin e Yang estavam inertes, se no primeiro capítulo, o da Liberdade, o vôo da Fênix era uma metáfora da existência como algo positivo, no sétimo capítulo, o do Tao, se expõe o inverso, a morte do Caos como negativo, Céu e Terra como inexistentes, são a Escuridão e o Esquecimento em movimento cíclico nas águas do Caos, a confusão. Ambos criam então um ser a que chamam de “Humano” a fim de marcar o espaço e a passagem do tempo, surgindo desse modo os problemas da existência pelos poderes do entendimento. O Caos como personagem tem conotação filosófica, entretanto, também é uma alegoria para a serenidade imutável do Tao, o caminho a ser trilhado.

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