Paredes que falam? (Nielson Modro)

 

Paredes Que Falam?

Nielson Modro

 

Ah se as paredes falassem… imagine-se o quanto da história e de histórias as paredes do imponente prédio da Sociedade Harmonia Lyra poderiam contar. Ainda que a Sociedade Harmonia datasse de meados do Século XIX (1858) e a Sociedade Musical Lyra fosse do fim daquele mesmo Século (1899) sua fusão ocorreu apenas em 1921. Mas sua sede, localizada na Rua 15 de Novembro foi inaugurada em 13 de dezembro de 1930, com três noites de espetáculos e teve seus primeiros eventos em 25 de dezembro daquele ano com o baile de gala e, no dia seguinte, o primeiro concerto sinfônico. Muito da cultura passou a se fazer presente ali. Porém, mais que a sua arquitetura monumental se destaca ainda a presença de um dos maiores nomes da escultura Joinvilense, Fritz Alt, seja nas paredes, na placa de bronze que recepciona os visitantes, nas liras, nas guirlandas, nos pequenos detalhes que passam despercebidos e até mesmo nas máscaras com coroas de louros que no topo da fachada da construção ficam eternamente a observar a passagem da história da cidade.

A Sociedade passou por décadas e décadas, quase um século já. Muito da cultura de Joinville e para Joinville se fez presente em seus recintos. Dentro da minha vivência, desde o início dos anos 80 do Século XX, há várias possibilidades de citações que poderiam ser destacadas. Festival de Dança, espetáculos musicais, eventos literários, peças teatrais entre tantos e tantos outros eventos, cabendo dois destaques entre os inúmeros que poderiam ser citados: Tangos & Tragédias e Norigama.

Tangos & Tragédias era um espetáculo músico-teatral nonsense da dupla gaúcha Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez. Excelente música, excelente performance e várias apresentações no palco e nas escadas da Harmonia-Lyra. Nico Nicolaiewsky (que encarnava o Maestro Pletskaya) e Hique Gomez (que encarnava Kraunus Sang) representavam os músicos advindos de uma ficcional Sbórnia, representando e divulgando a língua e os costumes de um território cujo lema era a alegria em sutis críticas sociais. Iniciavam a apresentação no palco e terminavam conduzindo performaticamente o público escadas abaixo, para a saída e para o fim da peça enquanto tocavam um Paralamas do Sucesso “Não me Abandone Jamais”. Ah… se falassem as paredes da Lyra certamente contariam que foram inesquecíveis as performances ali vividas pela dupla.

Antes destas performances ali vividas, mais especificamente em 1985, o palco da Harmonia-Lyra receberia a primeira apresentação oficial da peça de teatro Norigama. Já havia assistido à sua primeira versão no antigo teatro do Sesi. A polêmica pantomima marcou a história cultural da cidade. Além de uma atuação basicamente calcada quase que apenas nos gestos, com o onomatopaico “norigama” referindo-se a quaisquer palavras proibidas/impronunciáveis num final de épocas de ditadura mas ironicamente com todos os atores nus no palco. Ressalte-se que isso numa tradicional Joinville ainda pequena e quase que vitoriana, mesmo que sendo de raízes essencialmente germânicas. Novamente: Ah!… se as paredes falassem! Em tempos em que contar uma piada passou a ser crime, cautela é bom e certamente quanto a isso provavelmente diriam apenas: Norigama!

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