Sociedade Harmonia Lyra e o Menino de Chinelo de Dedo (Reginaldo Jorge)

 

Sociedade Harmonia Lyra e o Menino de Chinelo de Dedo

Reginaldo Jorge

 

Cheguei em Joinville nos primeiros anos da década de 70, oriundo de Itajaí, tinha então cinco anos. Vim com a minha família que chegou aqui em busca de melhores condições de vida. O país era governado pelos militares e o Presidente da República era o Gaúcho Emílio Garrastazu Médici um homem tido como linha dura. Joinville já era uma cidade pujante, entretanto, não tão grande e industrializada como atualmente. O maior prédio da cidade e o único com elevador era o “charmoso” Edifício Manchester. Morava no bairro Floresta e nos finais de semana saía em direção do centro na companhia dos meus amigos e fiéis escudeiros Laudecir Furtado, o Ciba, o Claudemir Furtado, o Mi. Todo o percurso era feito a pé e a saída de casa era logo nas primeiras horas da manhã.

O roteiro quase sempre se repetia! Uma passada para ver o “andamento” das obras da Catedral. Uma visita ao Museu de Imigração, uma caminhada pela área central, uma “brincada” no parquinho ao lado do Ginásio Abel Schulz, na época Palácio dos Esportes e ainda dávamos uma espiada se tinha algum jogo acontecendo no local. Na nossa incursão pelas ruas do centro encontramos o seu Alício, vizinho da minha casa no Floresta, que trabalhava como ascensorista no Manchester. Ele perguntou se nós já havíamos andado de elevador. Nunca! Respondemos quase em som uníssono para ele. Então ele nos convidou para “passear de elevador” no domingo seguinte. A condição estabelecida era que deveríamos chegar antes das 8 da manhã. No domingo os moradores dormem até tarde e assim o passeio seria realizado sem maiores problemas, sentenciou seu Alício.

No domingo seguinte acordamos bem cedo, durante a semana havia chovido bastante, o sol do sábado não fora o suficiente para diminuir o volume da lama das ruas de barro da cidade. Convencionamos ir descalço e quando chegamos no centro lavamos os pés na Praça ao lado do Manchester e colocamos os chinelos de dedo. Higiene pronta rumamos para a entrada do elevador do Prédio. Ali estava seu Alício, nos mandou entrar o coração queria nos saltar pela boca, um misto de medo e alegria. Subimos até o último andar e descemos em seguida. A viagem parecia ter durado uma eternidade.

Ainda estávamos próximo da porta falando das sensações, quando o elevador abriu a porta. De fora deu para olhar que ele estava abarrotado de caixas e junto das caixas, seu Alício e uma senhora muito bem vestida, devia ser moradora do prédio. De imediato nos oferecemos para ajudar, sem ter a mínima ideia de para onde as caixas iriam. A “madame” nos apontou um carro estacionado na rua do Príncipe, em frente ao prédio. Ela abriu o porta-malas de um reluzente Corcel e com muito custo acomodamos as caixas dentro. Missão Cumprida? Não! A madame perguntou se poderíamos acompanhá-la até a Sociedade Harmonia Lyra, onde teria que descarregar as caixas. Para isto nos daria uma carona, seu Alício que estava próximo consentiu com a cabeça.

Embarcamos no carro, nós três nem nos mexíamos, o Ciba no banco da frente, parecia um doutor e eu e o Mi no banco traseiro, grudados nas janelas aproveitando o passeio. Não demorou muito para chegarmos ao destino. Nas nossas andanças já tínhamos passado pela frente do prédio e ficávamos a imaginar como seria lá dentro. Com as caixas nas mãos adentramos ao prédio, subimos uma grande escada, parecia um Palácio, quando chegamos no salão central quase não acreditamos que existia tanto luxo e beleza na cidade. Terminado o serviço, a senhora nos agradeceu e ainda nos deu uma gorjeta. Com o dinheiro recebido paramos na Padaria Brunkow, tomamos um gostoso café com empadas e ainda sobrou dinheiro para voltarmos de ônibus e contar a memorável história do domingo.

Depois voltei a Harmonia Lyra, não mais de chinelos de dedo e muito menos carregando caixas, já era Jornalista do A Notícia cobrindo posses da então Associação Comercial e Industrial de Joinville (ACIJ), outras vezes em bailes de formatura e visitas de governadores a cidade que culminavam com jantares por lá.

A minha posse na Academia Joinvilense de Letras, foi na Harmonia Lyra, pois ali é nossa casa. E quando discursava olhei para o fundo do salão vi eu, o Mi e o Ciba, entrando com as caixas nas mãos. Em instantes a imagem desapareceu da minha vista e passou para o meu coração e memória. Assustado olhei para os meus pés e não estava de chinelos. O tempo passa, entretanto a Harmonia Lyra não perde a sua suntuosidade.

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