Peloponeso

(do livro “A TERCEIRA MOEDA”)

 

Tarde ensolarada, reservada para primeiros e excitados contatos com as ruínas da Antiga Corinto, rajadas de vento vindas do golfo a provocar reflexões. Liderados por Sir Cedric e por Dimítrios, os dois grupos percorriam trilhas ainda existentes, passando pelo amplo e pavimentado Caminho de Légeo com vestígios de colunas quebradas. Uma leve descida até o que havia sobrado do antigo mercado e do foro romano.

Dimítrios e Andréas conheciam bem tudo aquilo e caminhavam sem se preocupar com detalhes. O mesmo não acontecia com Marco e Diana, olhos ávidos e cismados a cada passo. Logo estavam na Fonte de Pirene, cercada de arcos, luz e sombra acentuando formas que insistiam em contar sua história. Diana estava encantada e procurava mostrar conhecimento.

– Conta uma lenda que a ninfa Pirene, de tanto chorar pela morte da filha, transformou este local em fonte.

Marco retribuiu com um leve sorriso. Estava mais interessado nos rastros deixados pelo pai do que em lendas. E estendeu a mão para ela vencer alguns degraus em direção ao que havia restado do Arco do Triunfo, de onde se estende ampla praça da antiga Ágora.

– Olha lá! – exclamou Diana, apontando para a parte mais alta, onde sete colunas eram tudo o que havia restado das 38 colunas dóricas do Templo de Apolo. Ao fundo, em toda a sua imponência, o Monte Acrocorinto.

Raios de sol vestiam as colunas dóricas com a cor dourada da tarde. Ela abraçou-se com Marco ao se lembrar do momento em Delfos, do beijo no último degrau do majestoso teatro.

– É lindo, não é mesmo? – e, virando-se para ele – me faz lembrar Delfos quando…

Ela não acabou de falar. Marco tomou-a nos braços e a beijou. Quando os lábios se separaram, Diana aninhou o rosto no peito dele e sorriu, lembrando-se do que havia dito em Delfos:

– O que vou fazer com você?

A resposta que ela queria não veio e viu que ele olhava numa só direção. Parecia longe dali. Sentiu que era preciso trazê-lo de volta.

– Não quer mais casar comigo?

– O quê?

– Por favor, meu amor, não deixe que o espírito de seu pai volte e lhe angustiar.

– Não se trata do espírito dele, Diana. Foi aqui, no entanto, que tudo começou. Aqui ele e seu pai encontraram a ânfora de Apolo, mais tarde vendida aos ingleses.

Ela precisava colocar as peças no devido lugar, com urgência, ou estaria novamente colocando o amor em jogo.

– Giorgios Spiros vendeu a ânfora, lembre-se disso. Não meu pai.

– Então ele vai ter de se explicar. Chegou o momento de colocar tudo em pratos limpos.

Instintivamente, ela se abraçou com ele.

– Não faça isso, Marco. Deixe as coisas acontecerem. Estou do seu lado, meu amor… E não quero perde-lo por um ato impensado ou precipitado.

– Também não quero perder você, Diana.

– Então me deixe ajudá-lo.

– Como?

– Confiando em mim – respondeu, acariciando-lhe o rosto – em mim e em Panagia Gorgoepikoös, a “Virgem que Responde aos Fiéis com Rapidez”.

– A terceira moeda… – murmurou, retribuindo a carícia e lhe dando um beijo rápido. – Está bem, Diana.  Prometo que vou parar com as acusações, até ter provas suficientes.

Ela suspirou.

– Você é um osso duro de roer.

Marco olhou uma vez mais para as sete colunas do Templo de Apolo e lá estava Sir Cedric e seu grupo. Depois olhou em volta, procurando por Andréas ou Dimítrios. Viu apenas os ajudantes Basílio e Paolo ao longe, no Pórtico Norte.

Diana foi acompanhando Marco por caminhos que ele parecia conhecer, sem nunca por ali ter passado. Ruínas de templos, ágoras, salas de banho, fontes sagradas, até chegarem ao pequeno santuário de quatro colunas, tendo ao fundo um muro de pedras. Ali ele parou, como se lhe fosse dada uma ordem.

– É aqui, Diana.

– Do que você está falando?

Ele se aproximou do muro, mãos tateando pedras carcomidas e minadas pelo tempo. Não havia nenhuma entrada no chão, como seu pai havia contado. Apenas pedras mal colocadas, como a fechar uma passagem.

– Foi aqui que ele encontrou a ânfora, numa ala subterrânea.

Ela chegou a sentir a pele arrepiar.

– Como pode ter certeza disso, Marco?

– Meu pai estava certo. Essas quatro colunas de um pequeno santuário, junto a um simples muro de pedra… Isso não faz sentido. Aqui ele acabou descobrindo a passagem para uma ala subterrânea.

Ainda perturbada, Diana olhou para trás e levou a mão ao colo, assustando-se com a figura estática do pai ao longe. Sobre um elevado, Nikolas Andréas olhava para eles.

 

O

 

No final da tarde estavam todos de volta ao hotel. Durante o jantar, Sir Cedric Dinkins incentivou um debate sobre o primeiro contato com a área a ser explorada, em busca das moedas de Felipe II. A resposta foi um silêncio quase sepulcral. Em seguida, alguns cochichos foram crescendo até se transformarem num zunzum que ninguém entendia. Sir Cedric pegou o cabo da faca e bateu sonoramente no copo de cristal, trazendo de volta o silêncio.

– Vamos por partes, meus amigos. Palavra livre para um de cada vez.

Um novo silêncio e olhares questionadores.

For God´s sake, aquelas ruínas já foram exaustivamente remexidas – disse Keneth Baker, tentando vilipendiar o sogro – Se tais moedas ali fossem enterradas, há muito fariam parte da Numismática Clássica.

Sir Cedric não respondeu. Apenas sorriu e ficou esperando por outros apartes. Nikolas Andréas foi o próximo a falar.

– Ninguém sabe do que um terremoto é capaz. As dekadrachmas podem estar debaixo dos nossos pés ou tão profundamente enterradas que nem o diabo será capaz de achar.

– É preciso lembrar que a sociedade Arqueológica em Atenas espera por uma resposta – alertou Dimítrios, olhando por cima dos óculos – Podemos voltar de mãos abanando, mas não sem demonstrar o resultado de exaustivo e abnegado trabalho.

De uma passada de olhos, Sir Cedric parou em Marco Stavlos.

– E o que diz nosso convidado do outro lado do mundo?

Marco pensou no que Constantine Stavlos costumava dizer e usou as mesmas palavras do pai:

– Para encontrar uma agulha no palheiro, melhor do que vasculhar e contar com um bom ímã.

Algumas risadas, inclusive de Sir Cedric, que ordenou:

– Raku, distribua as fotos!

A curiosidade se transformou em decepção ao verem a ilustração que todos conheciam. A Pedra de Felipe, onde se lia:

 

CONFEDERAÇÃO HELÊNICA LAMENTA

DESAPARECIEMNTO DE FELIPE

E SUAS DEKADRACHMAS DE PRATA

 

– Observem cuidadosamente a fotografia. Olhem como se tivessem nas mãos a própria pedra de Felipe.

Novo silêncio.

– Talvez eu não conheça tão bem o alfabeto grego – arriscou Marco – Por que a letra delta da palavra DRACHMA tem um ponto no meio?

Não se trata de um ponto – corrigiu Andreas – Apenas uma falha comum numa peça de argila.

– E se for um ponto? – questionou Sir Cedric – Um ponto bem no centro do triângulo delta?

– Com todo respeito, acho que está sonhando, Sir Cedric.

– Não me respondeu, Sr. Nikolas. E se for um ponto? Um ponto feito propositadamente?

Todos passaram a examinar atentamente as fotografias.

– Pelos deuses – exclamou Dimítrios – o triângulo delta pode significar uma pirâmide.

– Sim, é isso mesmo – concluiu Andréas, mudando rapidamente de opinião – Uma pirâmide onde as moedas devem estar escondidas.

Keneth sacudiu a cabeça negativamente.

– Que eu saiba, não há pirâmides na Antiga Corinto.

– Mas talvez exista um sinal – incentivou Sir Cedric.

– Um desenho ou gravura com um ponto no meio – concluiu Dimítrios.

Diana se agarrou no braço de Marco, apoiando o rosto em seu ombro.

– Parabéns, meu amor. Acho que eles encontraram o ímã para encontrar a agulha no palheiro.

Ele sorriu, agradecido.

– A partir de amanhã, aquelas ruínas vão ser vasculhadas com olhos de lince.

 

O

No dia seguinte, a duas caminhonetes saíram cedo para Antiga Corinto, distante não mais de dez quilômetros do hotel. Os auxiliares Noah e Andrew montaram tendas para o grupo inglês, enquanto Paolo e Basílio faziam o mesmo para os gregos. O entusiasmo estava refletido no semblante de cada um, ansiosos por iniciar a busca de um sinal promissor. O triângulo, letra delta com um ponto no meio, podia estar em qualquer lugar, caso o terremoto não o tivesse soterrado. Eles seriam incansáveis naquela manhã, sob o comando de Sir Cedric e Dimítrios.

Até a sedutora Amanda Dinkins Baker havia amarrado os volumosos cabelos ruivos para trás e colocado um traje mais simples para ajudar o marido. Afinal, havia uma promessa no ar… Que podia se transformar em muitas libras esterlinas.

Diana despediu-se de Marco e seguiu Nikolas Andréas na direção oposta. Ele compreendeu. Pai e filha vinham trabalhando juntos e não seria agora que romperiam o desafio de se ajudarem.

Os líderes, Sir Cedric e Dimítrios, aproveitaram as confortáveis cadeiras junto ao acampamento para conversar e traçar planos. Garantiam não se tratar de uma desculpa para o peso da idade ou para evitar incursões mais arrojadas. Estariam, no entanto, atentos a qualquer descoberta.

Raku se aproximou de Marco, que colocava no cinto algumas ferramentas, raspador, pincel de pelo duro e espátula, para explorar as ruínas.

– Raku sentir-se-ia honrado em acompanhá-lo.

– Será um prazer, Raku. E Sir Cedric?

– Ele não vai precisar de mim por enquanto.

– Então seja bem-vindo.

Os dois sabiam que o sinal delta, se é que existia, devia estar em um lugar reservado e protegido, onde as moedas pudessem ficar bem escondidas. Afinal, tratava-se de um pequeno tesouro.

Par de horas depois, Marco entendia porque Sir Cedric queria sempre Raku ao seu lado. O incansável e meticuloso trabalho daquele grego de gestos simples era de quem procurava realmente encontrar uma agulha no palheiro.

O terremoto acabou com tudo – disse Raku, sentando-se pesadamente numa pedra, olhando para as ruínas com esperança tão grande quanto testar a sorte num jogo de azar – A gente não acredita, mas continua jogando.

– Do que está falando?

– Nossa! É como jogar na loteria…

Marco explodiu numa risada aberta. Era o que estava precisando para descontrair um pouco. Mais alguns minutos de busca… E ele acabou concordando com Raku. Encontrar o triângulo delta com um ponto no meio era como acertar na loteria.

Retornar ao hotel ao entardecer foi um bálsamo para as pernas. Mesmo assim, após um banho reconfortante, estavam todos vendendo entusiasmo durante o jantar. E se consideravam mais experientes para o dia seguinte.

Marco e Diana foram até a varanda para ver o golfo, lembrando que lá do outro lado estava Delfos.

– Senti sua falta – disse ela, com um beijo rápido – Como foi seu dia com Raku?

– Um sujeito divertido. Mas eu preferia ter você do meu lado. Por que não trocamos amanhã? Fico com você e seu pai com Raku.

– Não seria má ideia. – murmurou, encostando a cabeça no ombro dele – Mas não se entusiasme. Pelo menos a noite é nossa.

– Diana!

A voz que não queriam escutar soou como um açoite. Junto à porta, Andréas era a própria prepotência.

– Vamos! Precisamos conversar sobre os planos de amanhã.

– Pelo amor de Deus, pai. Temos tempo para isso.

– Vá – sugeriu Marco, sem olhar para o pai dela – O ambiente não é mais o mesmo.

 

O

 

Dois dias depois, as ruínas da Antiga Corinto haviam sido cuidadosamente examinadas. Construções gregas e romanas, como praça do mercado, teatro, Odeon, até a tribuna onde o apóstolo Paulo proferia seus sermões aos coríntios… Nem um sinal de triângulo com um ponto no meio. Sir Cedric olhou para o charuto entre os dedos e deu novas ordens:

– É preciso pensar grande. “Acro” em grego significa alto, elevado. Amanhã vamos para o Monte Acrocorinto. Em seu topo está o maior e mais antigo forte do Peloponeso.

– Não acredito que tenhamos sucesso – alertou Dimítrios – Aquelas muralhas não foram feitas na Grécia Helenística, mas na Bizantina e na Veneziana.

– As muralhas sim, mas não o que elas protegiam. Lá ainda existem ruínas da acrópole de Corinto e do Templo de Afrodite.

– Oh! – Amanda deu um gritinho histérico, levando a mão aos lábios para disfarçar o sorriso – Trata-se daquela deusa sensual, não é mesmo?

Sir Cedric não olhou para filha e reteve o ar nos pulmões mais tempo do que necessário. Depois falou em voz pausada e clara, para que todos pudessem ouvir.

Afrodite é o nome grego de Vênus, a deusa da beleza, do amor e da fertilidade. Ela tinha poder de inspirar amor nos corações humanos – olhou duramente para Amanda e os bigodes amarelos de nicotina chegaram a tremer – Ou de destruí-los.

Kenneth Baker entendeu. Fungou alto e comprimiu os lábios. “For God’s sake! Ainda acabo com essa mulher”.

Andréas segurou a risada e achou melhor voltar ao que considerava importante.

– Por que acha que as moedas possam estar lá?

Sir Cedric deu uma baforada e respondeu:

– Eu não acho nada, mas não custa olhar. As caminhonetes nos levarão até onde elas possam ir. Depois será por conta de cada um.

 

O

 

No dia seguinte. Subida difícil para o penhasco de 560 metros com enormes muralhas da fortaleza medieval. Postos de observação, engastados nos paredões de pedra, ainda ali estavam, como a proteger os bizantinos dos francos, dos turcos e dos venezianos. No interior das muralhas, apenas ruínas… Era o que havia sobrado de pequenas igrejas, mesquitas e minaretes.

Dispersos, os dois grupos iam vencendo a subida. Não demorou e as pernas cansadas de Sir Cedric e de Dimítrios foram auxiliadas, de vez em quando, por Noah e Basílio. Por sua vez Marco e Diana se adiantaram e já estavam na metade do caminho, ao lado da antiga muralha, quando voltaram os olhos para observar o cenário deslumbrante. O dia estava límpido. Eles podiam ver as ruínas da Antiga Corinto e, mais ao longe, a cidade nova junto ao golfo. De mãos dadas, vento a lhes desalinhar os cabelos, desfrutavam um novo momento só deles.

– Às vezes custo a acreditar – disse Diana – que isso esteja acontecendo comigo. Eu mal o conheço, Marco, e vivo este sonho ao seu lado.

– Também penso assim. Por que não acreditar no destino?

Ela sorriu, atrapalhando-se com os cabelos.

– Prefiro acreditar na terceira moeda.

O beijo veio naturalmente. Estavam certos de pertencer um ao outro.

Passos no cascalho os trouxeram de volta. Apoiando-se com uma espécie de cajado, Andréas se aproximava respirando forte, raiva estampada nos olhos.

– É melhor a gente continuar subindo – disse Marco.

E apertaram o passo pelo caminho íngreme, ladeando a antiga muralha que parecia não ter fim.

No topo do Acrocorinto, a procura pelo delta com um ponto no meio não foi diferente da busca infrutífera na base do monte, entre ruínas da antiga Corinto. Os ajudantes contratados estavam mais preocupados em preparar o almoço ao ar livre, certos de que logo estariam todos de volta sem novidades.

Fazia algum tempo que Andréas e Diana não diziam palavra. Pai e filha pareciam dois estranhos, cansados de procurar um sinal que já acreditavam não existir.

– Chega – explodiu Andréas de repente, descendo o punho contra uma parede de pedras – Não vejo a hora de voltarmos a Epirus. Isso tudo não passa de uma tremenda besteira.

Diana não conseguiu reter a risada.

– Onde está o grande arqueólogo Nikolas Andréas Stephanos que eu conheço?

Ele não respondeu e chegou a grunhir. Diana insistiu:

– O problema sou eu, não é mesmo?

– Sim, o problema é você! Por que foi se meter com aquele sujeito? Eu não entendo. Deixar alguém como Peter para se juntar com, com…

– Com o filho de Constantine Stavlos.

Os lábios comprimidos de Andréas se arquearam e as narinas se abriram.

– Um crápula igual ao pai!

– Pelo amor de Deus! – exclamou Diana, ansiosa por entender – O que você tem contra aquele homem?

– De que adianta falar, se você está do outro lado?

– Pare com isso, pai. E abra o jogo de uma vez.

Ele apoiou as mãos sobre o que havia sobrado de uma mureta e olhou para o golfo ao longe.

– Por que acha que Constantine deixou a Grécia?

– Para não ser acusado de trair a pátria – respondeu Diana, disposta a ir até o final da história.

O pai deu uma risada roufenha, sem se voltar.

– O que mais Marco lhe contou?

– Que vocês eram amigos… E que encontraram uma valiosa ânfora, vendida aos ingleses.

Mais calmo Andréas se voltou, semblante ainda sério.

– Giorgios Spiros, outro crápula igual a ele, fez a negociação, enquanto Constantine deixava a Grécia para não se comprometer.

Diana fechou os olhos e suspirou.

– Oh, Deus… Marco diz que foi você.

Andréas esfregou o queixo quadrado e balançou a cabeça.

– Existem fotos comprometedoras, minha filha.

– Que fotos?

O sorriso veio cheio de malícia.

– Constantine e Spiros com a ânfora… Spiros na casa de Constantine… Fotos que não deixam dúvida.

– Oh, meu Deus… murmurou ela, levando a mão aos lábios.

 

O

 

Até se reunirem para almoçar, nada tinha sido encontrado. O cenário se encarregou de manter elevado o estado de espírito de todos. De quase todos, pois o mesmo não acontecia com Andréas e Diana.

O que há com você – questionou Marco – observando o silêncio dela.

Diana não respondeu. Colocou o prato de lado e caminhou até os degraus que a levaram ao alto da muralha, de onde se descortinava todo o grandioso vale até o golfo de Corinto. Marco fez o mesmo e a seguiu.

Ela olhava para as montanhas do outro lado do golfo. Olhar perdido, lembrando-se dos momentos em Delfos. Marco se aproximou e tentou um abraço. A reação foi como se ela tivesse levado um choque.

– O que há com você? – ele voltou a questionar.

Diana olhou para ele, uma lágrima escorrendo pela face.

– Meu pai contou tudo.

Marco arregalou os olhos, sem acreditar.

– Ele confessou?

Diana fechou os olhos por um momento.

– Existem fotos comprometedoras, Marco. De seu pai com Giorgios Spiros.

– Fotos? Do que você está falando?

– Foram eles que venderam a ânfora aos ingleses. Spiros e seu pai.

Marco podia escutar as batidas do seu coração. “O que aquele demente andou contando para ela?”

– Você não sabe o que está dizendo.

– Conheço meu pai melhor que você, Marco. Ele não é nenhum santo, mas não é mentiroso.

Ele prendeu a respiração. Sentiu que o sonho podia chegar ao fim.

– Você é filha dele e tem o direito de pensar assim. Eu não! Meu pai falou de algumas fotos. Foram feitas para comprometê-lo, enquanto lhe roubavam a ânfora. Pergunte ao seu pai, Diana! Ou, melhor… Não pergunte nada. Ele vai mentir novamente.

E, dando as costas para ela, Marco desceu os degraus, deixando-a sozinha no alto da muralha.

 

O

 

No final da tarde, Marco deixou seu grupo e tomou caminho para o Templo de Afrodite, procurando manter distância de Andréas e Diana. Ele precisava se acalmar. Não queria pensar no que havia acontecido, mas não conseguia esquecer o que a mulher que ele amava tinha dito. “E se o pai dela estiver dizendo a verdade?” Se ela conhecia bem o pai, ele julgava conhecer também o seu.

As ruínas do Acrocorinto eram mais romanas do que gregas. Entre as gregas estava o Templo de Afrodite, dedicado à deusa do amor e da liberdade sexual, prática comum na antiga Corinto. Marco chegou a se perguntar o que estavam fazendo ali. Certamente não à procura do delta com um ponto no meio. Por que estariam ali enterradas as dekadrachmas de Felipe II?

– Marco!

O susto foi como um despertar. Amanda Baker surgia do templo de Afrodite qual deusa atrapalhada com as pernas, cuidadosa por onde pisar a cada passo. Ele já estava acostumado com a voz melodiosa e as maneiras provocantes da inglesa.

– O que está fazendo aqui, my darling?

Marco olhou em volta, como a procurar alguém.

– Acho que me perdi do grupo.

– Oh, que bom – exclamou Amanda em gestos quase teatrais – Eu já não aguento estar sempre com a mesma turma. Marido de um lado, pai do outro. Para estar só com a família, eu ficaria em casa.

Marco achou melhor virar as costas e dar o fora dali.

– Devo estar invadindo o campo inglês.

Please, wait, Marco! – Ela quase gritou apressando os passos trôpegos, escorregando um dos pés propositadamente e o corpo caindo para a frente.

Ele adiantou-se para segurá-la e Amanda não perdeu a oportunidade para se agarrar, enlaçando-o nos braços.

– Oh, darling, acho que quebrei o pé.

Marco procurou lugar para a inglesa sentar, enquanto ela se apoiava ainda mais, olhando-o nos olhos com malicioso sorriso.

– Amanda! – gritou Kenneth de longe.

Ela pareceu não ouvir. Marco tentou se soltar enquanto ela ria, rosto colado ao peito dele. Furioso, Kenneth chegou, empurrando os dois

– O que você quer com minha mulher?

– Pare com isso, Kenneth – disse Marco, mãos em frente para se defender – Ela torceu o pé e eu estava apenas ajudando.

Amanda levou a mão aos lábios, mordiscando um dos dedos. Kenneth olhou para ela e o sorriso provocante dizia tudo. O sangue do inglês voltou a ferver e a mão fechada partiu violentamente. Marco sentiu o impacto no rosto e caiu para trás.

Amanda gritou, agarrando-se ao marido, que a empurrou para o lado. Ele movimentava os punhos fechados, como autêntico boxeador.

– Vamos, levanta daí, que ainda não acabei com você!

Marco firmou as mãos no chão e olhou para as pernas abertas do inglês. O que ele menos queria era brigar. E não chegou a olhar para cima. Estava mais interessado no que via ao longe, por entre aquelas pernas abertas a balançar. Ele nem piscava, sobrancelhas apertando os olhos para melhor enxergar. E começou a rir.

– Do que está rindo, idiota? – questionou Kenneth furioso, sem nada entender.

Marco olhava para o pequeno morro de pedra em forma de um triângulo quase perfeito, logo adiante. Bem no meio havia um ponto escuro… Talvez a entrada de uma caverna.

 

“Meu Deus, lá está o sinal!”

 

Ainda olhando para o morro e sorrindo, ele apoiou as mãos no chão e se levantou.

– Não vou brigar com você, Kenneth. Não é para isso que estamos aqui. Trate de cuidar de sua mulher.

Virando as costas para os dois, levou a mão para o rosto que ainda doía e voltou sorrindo pelo mesmo caminho. De onde estava, ao lado do templo, Raku havia presenciado tudo, sem nada entender. Depois, olhando para o pequeno morro, balançou a cabeça e começou a rir também:

– Nossa!                                                                                     (pág. 345)

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