Pescadora de histórias (Andreia)

Pescadora de histórias

A criança que mora dentro de mim sempre acreditou que todas as histórias nascem num baú mágico e por lá ficam, até que alguém, com sensibilidade e paciência, consegue pescar uma delas e a faz ganhar vida. A adulta que também mora dentro de mim sempre achou essa história uma gracinha, mas coisa de criança. Até poucos dias.

Dona Else é a mãe do Cri-Cró, sem falar em tantos outros personagens que ganharam vida através de suas mãos. Ela própria parece um personagem tirado de alguma história, cheia de magia e mistério. Do alto dos seus 82 anos, ela saracoteia pelos corredores e estandes da Feira do Livro como criança à procura de uma nova brincadeira. Mas eu sei que não é isso que ela procura… No fundo, no fundo, dona Else está em busca de novas histórias, de uma nova experiência que a faça sorrir e ter novos motivos para continuar criando.

Sempre fui do time que se deleita em sentar-se diante de gente mais velha e ouvir, de novo e de novo, suas histórias. Dona Else não decepciona nesse quesito. Ela me conta histórias de um tempo que não vivi, de pessoas que eu não conheci (mas de quem já ouvi falar), fala de situações que continuam iguais (porque a vida é assim, um eterno ciclo que se repete). Todas as vezes que conta alguma história, real ou inventada — e quem saberá dizer quanto do que diz é ficção e quanto é realidade? —, os olhos dela brilham como se a magia que mora dentro dela brotasse em sua íris a cada palavra, a cada cena, a cada memória.

Dona de um coração quentinho e acolhedor que nos faz pensar, sem hesitar, em nossas mães e avós, oferecendo um chazinho quente ou um docinho gostoso para adoçar a vida, Dona Else tem sorriso terno, cabelos brancos e olhos sonhadores. São os olhos de quem não deixou envelhecer a criança que traz dentro de si que me provam que ela pode ser várias coisas, mas não velha. A alma dela é menina. Não conhece o que é pensar na finitude da vida.

Quando olho dona Else, sei que ela descobriu o segredo do baú. Ela, como ninguém, sabe como pescar uma história de lá de dentro e dar-lhe vida.

Andreia Evaristo

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