Prancha do Theatro (Walter Guerreiro)

 

PRANCHA DO THEATRO
Porto Alegre, 4 de mayo de 1892.
Gualter Krieger
Companheiro Maçon.

À G.D.G.A.D.U.
Venerável Mestre
Irmão 1º Vigilante
Irmão 2º Vigilante

Inicialmente, Companheiros Maçons do Grande Oriente do Brasil, achando-se presente número legal de Irmãos, conforme consta no livro de presenças venho em busca das Luzes para discussão do que ocorre no mundo profano, e, que a meu ver, se reflete em nossa fraternidade, uma vez que envolve o Theatro São Pedro.

Ocorre que, desde 1861 a sociedade mantenedora da instituição, liderada pelo Companheiro José Antonio Pimenta Bueno não fazia frente às despesas, e, por conseqüência, essa valiosa instituição entrou em declínio; a decoração do palco, necessária à apresentação das peças, elaborada por Emil Justus Textor e datada de 1858 foi desgastada pelo tempo, remendada e em péssimo estado, se sugerido então que, um artista residente em nossa cidade há uma década, com experiência anterior no métier, assumisse o encargo, criando nova rotunda.

Seu nome, Calgan, profano, contudo excelente pintor oriundo da Alemanha e vindo da Colônia Dona Francisca, Província de Santa Catarina, e que lá executou trabalho do mesmo jaez para o Irmão Friederich Berner, da Loja Amizade ao Cruzeiro do Sul naquela paragem. Conforme comentários de Irmãos dessa Loja, inclusive com
comentários publicados em semanário local, no Kolonie Zeitung, o proscênio inaugurado em 1882 foi muito apreciado, todavia, passado um ano o autor passou a ser duramente criticado, vindo depois a público revoltado contra as calúnias vergonhosas.

Quanto ao proscênio, silêncio. Esses são os fatos, para nós outros, cabe falar da obra, até que ponto tem pedigree que o recomende executar o proscênio para nosso Theatro.

Ao que tudo indica, Berner desejava um cenário condizente com peças teatrais e musicais, e Calgan criou uma rotunda homenageando o vate Shakespeare, poderia ter proposto uma cena de Romeu e Julieta, quiçá Sonho de uma noite de verão.

Não o fez, optou por apresentar o bardo declamando para a Rainha Virgem Elizabeth I em um jardim interno palaciano, cercada por cortesãos. Até aí, nada de incomum para os profanos, para a Irmandade aparecem significados no discurso da razão.

Como ele teria chegado a isso? O Irmão Berner não teria conhecimento para tanto, mas Calgan poderia ter se aproximado de Ottokar Dörffell, Mestre da Harmonia na Loja, integrante também do Harmonie Gesellchaft, e um pilar maçônico; intuo que, Calgan dele se aproximou, soube ouvir e interpretar em pintura as especulações da
Maçonaria esotérica. Qual melhor forma de ensinar verdades de saber superior, de um conhecimento dominado por poucos que através dos símbolos, na partilha da igualdade fraternal na evolução do passado para o futuro, daquilo que é sagrado para o mundo profano? A mensagem oculta no proscênio, ao lado da encenação e da música irá penetrar na platéia como experiência total, condensando numa imagem a experiência espiritual. É a chave do mistério, dizer aquilo que não pode ser aprendido de outra maneira, fusão do espírito com a matéria.

Conforme relato de Irmão da Loja Amizade ao Cruzeiro do Sul, a cena além do número considerável de personagens, dentre eles um Yeoman of Guard ( cujo brado de combate é: Deus está na minha mão direita – oportuno, pela presença do Criador nas sessões maçônicas) assistindo a declamação do poeta, apresenta profusão de folhagens e flores, apontando profundo conhecimento de Shakespeare, que considerava a natureza humana como jardinagem, convergindo com a intenção da irmandade maçônica, os seres humanos são como plantas, devem ser podados e
tratados para evitar as ervas daninhas, de modo a produzir flores e frutos.

Shakespeare tem a seus pés uma folha de antúrio, o formato de coração aponta o órgão como atributo do grau de companheiro, e do sentimento que deve reger a cordialidade humana. Causa estranheza a importância de um pavão, ocupando área extensa da pintura, sua cauda fechada não ostenta todas as cores, mas as possui como ser realizado, não caberia aqui o pássaro Fênix, com o mesmo significado maçônico: a imortalidade do espírito, das cinzas para a luz, ex tenebris lux, da escuridão do desconhecimento para a sabedoria, na transmutação alquímica do atanor.

Alçando o olhar, ao centro do cortinado que descerra o espetáculo na pintura aparece o brasão de armas do Reino Unido dentro de losango, o ângulo superior criando o compasso, a franja delimitando o esquadro na reserva. Na área da Irlanda a harpa, de hábito dourada, evocando o passado heróico dos celtas, foi pintada de branco como extinção dos desejos, no processo alquímico da união dos opostos e do equilíbrio; ela representa a lira , Jóia do Mestre da Harmonia, símbolo da música das esferas unindo céu e terra, e equilibrando as tensões materiais e espirituais.

Obra unitária e plena de sentido como ato de criação, seja qual for o questionamento levantado contra o artista, sua obra se inscreve nos ideais maçônicos, deixando a cada um livre para interpretá-la nos fundamentos misteriosos da arte real da alquimia.

Esse é o meu relato, deixo aos Irmãos na forma de prancha o que me foi relatado, do uso do proscênio para tornar-se aquilo que sabes e possuis, nas palavras de Goethe.
C.A.M.

 

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