Quem vende o quê? (Hilton)

QUEM VENDE O QUÊ?

Crônica de Hilton Görresen

 

Passando por uma loja da cidade, encontrei o seguinte aviso: “Admitem-se vendedores”. Tudo como manda a sagrada gramática. Aleluia! Meu assessor, o professor Linotipus (emérito caçador de placas e anúncios), ficou eufórico, mandou até rezar uma missa para seu protetor São Napoleão (Napoleão Mendes de Almeida, gramático ferrenho). Diz que está organizando uma romaria de gramáticos à cidade para verem de perto o fenômeno. O professor Lino faz parte do grupo GLS (não, não é o que estão pensando. É o grupo Gramáticos, Literatos e Simpatizantes).

Talvez seja esse tipo de construção gramatical a maior pegadinha de provas e concursos: vende-se ou vendem-se casas? E o pobre candidato, visualizando as placas e anúncios que encontra em seu dia a dia, responde convicto: vende-se casas. Errado! – brada o professor com sorriso maquiavélico. Te peguei!

Esse é um dos inúmeros casos de conflito entre a lógica e a gramática. Manda a lógica que uma ação (vender, admitir e outras) seja praticada por um sujeito. Qualquer pessoa deduz que alguém, um sujeito indeterminado, está vendendo casas. No entanto, a gramática, baseada numa regra do latim, nos diz que um pronome oblíquo (no caso a partícula “se”) não pode funcionar como sujeito da frase. E cria-se com isso uma situação inusitada: o verbo vai concordar com o objeto direto – casas –, que assim se torna o sujeito, equivalendo a “casas são vendidas”. Isto é: casas vendem-se a si mesmas. Quem, nesse caso, irá negociar; quem irá assinar contrato e receber o valor da venda?

Note, leitor, que não é a mesma coisa. “Vendem-se casas” é apenas uma proposta, um anúncio de venda. E “casas são vendidas”, seu pretenso substituto, como quer o bom uso gramatical, é um fato acontecido, uma constatação.  O contrário de “casas não são vendidas”. Imagine um pintor profissional colocar em um anúncio: casas são pintadas. Será que vai arrumar serviço?

Ah! Então devo escrever: precisam-se de empregados? Errado! Palavras antecedidas de preposição (de empregados) não podem ser sujeitos, portanto não afetam o verbo. Devo escrever “admitem-se empregados”, mas não “precisam-se de empregados”. Nesse último caso, a partícula “se” representa um sujeito indeterminado. Que confusão!

Creio que no tribunal do uso a forma mais simples (vende-se casas) sairá vencedora dentro de alguns anos, considerando a concordância ideológica, isto é, com a ideia de um sujeito subentendido. Acho que a venerável Gramática não vai reclamar. E ninguém sairá ferido.

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