Rebanhos cibernéticos (Apolinário Ternes)

 

Rebanhos cibernéticos

Apolinário Ternes

 

O estilo capitalista de viver impõe uma verdade: a desintegração da personalidade de cada indivíduo. O antigo cidadão, agora é só um consumidor. Vale pelo que é capaz de consumir. O que vale é ter, alucinadamente, em muitos casos. Para os apaixonados por compras, nada rigorosamente satisfaz. Pelo contrário, quanto mais compra, mais submerge na desconstrução do sentido pelo qual vive. Comprar é, também, uma relação de posse, uma religião, imperativa e predestinada.

Como apontado por Flávio Gordon em recente artigo na Oeste, existe uma poderosa indústria interessada em participar desse ciclo de despersonalização das pessoas, especialmente das gerações mais jovens. Trata-se de campanha nada silenciosa em busca da falência moral e política dos menos instruídos. A raiz desse processo de empobrecimento da consciência crítica dos jovens está na década de 60 do século passado, quando os jovens americanos se recusaram a morrer no Vietnã. Os distúrbios nos campi das universidades americanas cimentaram, ainda, outro movimento poderoso em defesa dos direitos civis da população negra. Desde então, novos ingredientes foram adicionados à luta pelo reconhecimento do ‘amor livre entre pessoas do mesmo sexo’, a luta pelo feminismo, o empoderamento das mulheres e o ‘orgulho gay’ em todas as pátrias.

A desintegração moral é global. Não há fronteira alguma em lugar nenhum. Vale tão somente, a luta ensandecida por liberdades plenas, declarando-se guerra à opressão. Vale então, a liberação das drogas, o sexo livre, a gravidez ocasional. Os encargos e as responsabilidades são transferidos a pais e avós. Estudantes não precisam estudar, devem apenas vagar pelos campi como novos zumbis. Os professores não precisam dar aulas, devem mobilizar os jovens para seus direitos inalienáveis de viver a melhor vida possível. O Estado deve, prioritariamente, sustentar a todos, proteger a todos, do berço ao túmulo. A ordem é, abaixo o Ocidente. E todos os seus valores.

O show de Madona no Rio no dia 4 de maio, assim como a invasão de campus das principais universidades americanas em apoio ao Hamas e pelo fim do morticínio em Gaza, são dois exemplos dessa desesperada luta pela desintegração do Ocidente. A rainha do rock estimulando o erotismo acima de qualquer limite, rebaixa os mais sólidos valores da família, a instituição matriz da civilização, a níveis realmente inéditos. Propôs, sob o aplauso de mais de um milhão de pessoas, a inquestionável derrota de alguns dos princípios perenes sobre os quais se edificaram tantas civilizações nos últimos cinco mil anos. E a nata do capitalismo brasileiro financiou, aplaudiu e santificou a mais esplêndida celebração do novo delírio da liberdade sem qualquer limite. Liberdade integral, aqui, agora e ponto.

Sim, estamos assistindo – talvez até participando – da edificação da nova ordem mundial. Uma ordem em que tudo que é sensível, prudente ou permanente, deve ser extinto da face da terra. Depois de tantos capítulos da evolução do homem, das idades Clássica, Medieval, Moderna e Contemporânea, inauguramos a era do caos. O tempo e o lugar em que o homem deixou sua individualidade, princípios e valores, para se ajoelhar e abdicar de sua humanidade, tornando-se uma entidade lobotomizada, desintegrada em corpo e alma, pronta para ceder seu lugar para o novo homem, cibernético, enxertado de chips e comandado por inteligência artificial. Placidamente depositado em imensos currais sob controle remoto, com ‘coronéis’ e gurus digitais, em várias partes do planeta. (aternes@terra.com.br) (Maio de 2024).

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