Sementes ao vento (Cristina)

Sementes ao vento

Um dia ele me falou que estava juntando sementes de frutas para fazer mudas de árvores. Falou é modo de dizer. Neste mundo virtual em que vivemos, onde as vivências se revelam no whatsapp, meu amigo escritor enviou uma postagem rápida, para, talvez, ajudar a amenizar as minhas culpas.

Dividíamos experiências. Ele me falou sobre a história fantástica que, durante o dia, caiu no seu colo por acaso, a sensibilidade da protagonista, o inusitado do encontro, o abraço longo de quem se sabe acolhido e compreendido. “Você não sabe, Cris, a quantidade de sentimento que estava contida ali”, disse-me, daquele jeito meio embriagado de emoções, que só os escritores conseguem traduzir em palavras.

Falamos sobre o cansaço da criação, o esgotamento mental que se reflete no corpo de quem faz do texto um ofício. Na culpa que vem com a vontade de se deixar levar pelo ócio – logo esse ócio, que é tão necessário para a renovação criativa.

E, inesperadamente, falou das sementes. Assim, do nada. “Sentei no sofá e estou comendo uma pera. Vou ver um episódio de uma série qualquer. Tem louça pra lavar. Não carrego culpa. Na verdade, estou pensando em plantar cada semente que me cai no colo. Já separei de maçã, de pera, de uva e até uma azeitona. Pode não dar nada, pode dar. Não sei o que fazer com as mudas depois, mas vai ter valido a pena tirar um tempo pra me dedicar a isso”, escreveu ele, como se não fosse mais autor, mas uma personagem em um conto de vida em construção.

Há quem diga que é coincidência, mas eu creio que é sintonia. Que nos cercamos de quem tem afinidades conosco – e que, em dado momento, nos  distanciamentos de outras, a medida em que os laços vão se tornando frouxos. O certo é que as sementes que ele guardava para fazer sabe-se lá o quê encontraram eco em uma ação que eu vinha praticando há tempos, calada, meio sem graça, com vergonha de falar até para os mais próximos.

De vez em quando aparecem uns posts nas redes sociais que têm a pretensão de mudar o mundo e nos instigam a tomar pretensas atitudes positivas. Pois é, em um desses posts, alguém propunha que as pessoas separassem sementes de frutas, as secassem ao sol e as colocassem  em saquinhos no carro, para espalhar por aí, quando passassem diante de terrenos baldios ou lugares ermos. Uma destas iniciativas meio utópicas e ingênuas, mas que nos permitem acreditar que estamos fazendo algo, pequeno que seja, para melhorar o mundo.

A ideia caiu no meu imaginário como semente em terra fértil, para não perder o trocadilho. Quando era menina, minha mãe costumava me contar a história de João das sementes de maçã, um conto americano, onde o protagonista seguia solitário pelo seu caminho semeando maçãs. Ele sabia que nunca iria colher aquelas frutas ou desfrutar da sombra daquelas árvores, mas semeava para o outro, para quem estava por vir. Nunca mais consegui localizar este conto, mas ele continua presente nas minhas recordações.

Assim, de referência em referência, comecei a guardar as sementes em copinhos de café (sim, os de plástico, não sou tão radical assim). “Uma floresta em gestação”, como tão bem definiu  meu amigo escritor, que também gesta a sua floresta.

O que vamos fazer com elas, não me pergunte, ainda não há repostas certas. Meu amigo pensou em fazer mudas. Mas eu acho que vou fazer o mesmo que faço com as palavras ou com as flores virtuais que compartilho por aí… jogar ao vento, na esperança de que elas encontrem um cantinho para brotar, crescer e, quem sabe, um dia dar frutos.

 

Maria Cristina Dias

 

 

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