Sujeito estrumado (Zabot)

SUJEITO ESTRUMADO

Meu amigo Franklin já ouvira de tudo na vida, mas… sujeito estrumado superou tudo. Coisa de catarinense do vale do Itajaí, bandas da singela Imbuia. Imbuia é célebre pelo gado Jersey. Vacas miúdas, porém, boas de leite. Gado vacum proveniente, segundo consta da Ilha de Jersey – canal da Mancha. Clima hostil, mas, mesmo assim pródigo em gramíneas rasteiras. Rupestres. Imbuia de terreno acidentado é outra paragem, boa terra.  Gado refestelando-se. Lugarejo de gente faceira. Paraíso no vale do rio Itajaí-Açú. De lá veio a Sirley. Rodou serra abaixo, à beirada de balaústres, plagas principescas em Joinville. E deu as caras na CEASA, e com que paixão ousa comandá-la à meia década. Alegria em pessoa.

E conta Sirley – sempre um bom papo -, não se contendo de rir -, que um líder comunitário local tornou-se famoso, chegando a ser prefeito por várias vezes em Imbuia… Sempre que se deparava com alguém elevado do chapéu – e nunca faltam esses personagens – erguia os braços, e exclamava: – Eita sujeito estrumado!

Nada mais enigmático, nada mais sábio. Imaginem a cena, o discernimento a norteá-lo?! E as gargalhadas, então! Agradabilíssimas, certamente, pois estocar alguém sem melindrar é arte.  Arte de bom vivant. Cá entre nós: a forma de se expressar dignifica a palavra, não importa o peso dela. O jargão “filho da puta”, por exemplo, por mais cruel que seja, desde que reverberado com fineza, pode ser lisonja. Tolerável.  Mas, ao contrário, se pronunciado de forma imprópria vira ofensa à mãe, e aí o mundo abaixo.

Há aquelas das colocações da vírgula fora do lugar. Vejam: – Vamos perder, nada foi resolvido ou vamos perder nada, foi resolvido.  A palavra força por exemplo, sem o cedilha vira forca. Uma pequena, porém, significativa diferença.

A palavra estrume, sabemos, tem vários sinônimos, obviamente. Todos associados à fedentina, embora o carácter de fertilidade. Disfarçado eufemismo.  Sempre tive problemas em expressá-la, mesmo usando-a como adubo. Pois agora!  Esterco, bosta, merda, excremento. Subproduto da defecação.  Dejeção, preferem outros. Mais do mesmo. Ou por outra: tudo a mesma coisa.

Opa! depende, brada meu amigo Franklin na ponta dos cascos.  A mesma coisa uma ova! Depende do viés… e vai destravando os dentes. Até já chamaram de Geni. Geni nela, por exemplo… Merda no povo.

Ora essa de sujeito estrumado! ouso desafiar meu amigo Franklin. Já pensou se a moda pega. Todo o comandante seria um sujeito estrumado. Quanto mais alta a patente, mais honrarias; quanto mais estrelas, maior o volume de estrume, verdadeira pirâmide do Egito. Ou por outra torre Eiffel.

Isaltino, lá das bandas de São Joaquim, a terra mais gelada do Brasil, preferia outra expressão: tremenda cagada! Se fosse, hoje, seria execrado em praça pública, pois subliminarmente continha um viés inamistoso: “Sujeito que não presta, caga na entrada, ou na saída”.  Sorte que já está morto brada Franklin, senão iriam processá-lo por calúnia e difamação.  Palavras da moda em tribunais de exceção.

Que nada Franklin!  Ouso contestá-lo. Ora essa…! Depende da cagada. Na China, por exemplo, uma boa cagada, é símbolo de boa amizade. Cortesia. Portanto, sempre desejada.  Numa eventual visita quem não a prática, falta com o respeito. Consumo sem adubo, prejuízo em dobro.

Lisonjas à parte, menos mal, no momento, graças à internet, o mundo anda cheio de gente estrumada. Põe estrume nisso, estimada Sirley! Ou por outra: gente soltando as tamancas à toa – vocifera Franklin.  Cagando em metro, e à rodo. E não perdendo a vazada, tasca: ainda bem que lá na frente tudo vira adubo.

Nada a ver caro Franklin! Gente estrumada é gente boa. Virtuosa. É como terra adubada, as plantas agradecem. Viçosas, exibem-se.

Razões de sobra tinha o prefeito de Imbuia. Encantam a boa terra, as pessoas estrumadas.  Espertas por excelência.

   Joinville, 8 de agosto de 2020

 

Onévio Zabot

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