📚 ”Gilberto Gil na Academia” (Milton)

  • GILBERTO GIL NA ACADEMIA

MILTON MACIEL

Em minha obra “O QUE É POESIA: A Poesia da MúsicaBrasileira”, escrita para um série de eventos musicais que apresentei várias vezes em  São Paulo (e uma vez, simplificado, em Joinville, junto com o músico paulista Fio José) transcrevo um longo trecho de um artigo de Nelson Ascher, publicado na Folha de São Paulo. Para quem não conhece Nelson Ascher, basta dizer que ele é poeta, editor, tradutor de T.S. Elliot e Pushkin, crítico literário e de cinema e, por longos anos, editor cultural da Folha de São Paulo, onde a gente o degustava periodicamente no saudoso Folhetim, publicado de 1977 a 1989, aos domingos, e dirigido por ele desde 1984.

No artigo transcrito (do qual coloco aqui só um parágrafo), que tem como título “LETRA DE MÚSICA É OU NÃO É, ENFIM, POESIA?” Nelson escreveu:

“O caso brasileiro se complica não só devido às relações harmônicas mantidas desde, pelo menos, Vinicius de Moraes, entre poetas, letristas e compositores, como também porque é difícil imaginar critérios esteticamente honestos que não coloquem, durante o último meio século, a nata da MPB acima do grosso da poesia contemporânea.”

Bem, a que propósito vem isso? Respondo:

GILBERTO GIL e sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, com 62% dos votos válidos a favor, 20% contra e 18% de abstenções.

Além da opinião de Ascher, permito-me também externar a minha, na condição de poeta, músico, letrista e compositor, ainda que assaz modesto; seja como for, sou um insider, porque sou também escritor (uma distinção estúpida, mas necessária, porque existe muita gente de igual adjetivação que acha que poeta não é escritor).

Isso sem mencionar que há até escritores que, imitando o grego Kronos, engoliram não os filhos, mas um rei e, tendo-o assim na barriga, acham que escritor mesmo é só o romancista.

Discordo veementemente, sou novamente um insider, tenho alguns romances com relativo sucesso, publicados até mesmo em outros idiomas no exterior.

Gilberto Gil é POETA. Ele é o letrista de suas mais de QUINHENTAS canções gravadas. Mais de 500 poemas, portanto. Esqueçam momentaneamente o músico e as músicas. Consideremapenas uns 500 poemas publicados em livro. Imaginam quantos livros daria isso?

Pois é, e isso se aplica igualmente a Caetano Velloso e Chico Buarque. Só que Chico é romancista, com 3 prêmios Jabuti e um Camões, para inveja de muita gente. E, a partir de agora, é também contista publicado.

Já a outros monstros sagrados da MPB não posso aplicar a categorização de poetas, posto que, sendo unicamente compositores, apoiaram-se em outros geniais poetas: Milton emFernando Brant, Ivan em Vitor Martins, Bosco em Aldir Blanc.

Mas Caetano, Chico e Gil – assim como aquele inesquecível Taiguara – são POETAS. E a Academia Brasileira de Letras exige, em princípio, que o candidato a Imortal tenha ao menos UM livro publicado. Ora, alguém já teve em mãos algum exemplar dos ENORMES Song Books de Chico, de Caetano, de Gil? São volumes e mais volumes em formato grande, de revista.

Gilberto Gil é POETA, tem uma extensa obra poética e o candidato que foi democraticamente preterido na eleição, Salgado Maranhão, também é poeta.

Você conhece Salgado Maranhão e sua obra? De minha parte, confesso minha ignorância. Vejo-me, portanto, obrigado a tratar de conhecer esse autor, poucas coisas me causam mais desconforto do que minha própria ignorância.

Mas certamente você conhece Gilberto Gil e grande parte de sua obra. Você e toda a torcida do Flamengo, do JEC e até a escassa torcida do time dos casados – aqueles barrigudinhos lá do seu bairro.

E aí é que está a grande diferença: esses poetas populares atingem e levam alegria a centenas de milhões de brasileiros e até de estrangeiros.

E, para completar, esses poetas são músicos geniais, compõem, criam músicas extraordinárias. Tem mais: são instrumentistas fantásticos. E, como não fosse isso suficiente, são cantores de primeira linha. Quantas pessoas combinam em si tanta genialidade?

Quer dizer, esses músicos, instrumentistas e cantores fora de série são também escritores, posto que poetas. Como não iria a ABL aceitar um destes três grandes de braços abertos?

“Gilberto Gil traduz o diálogo entre a cultura erudita e a cultura popular. Poeta de um Brasil profundo e cosmopolita. Atento a todos os apelos e demandas de nosso povo. Nós o recebemos com afeto e alegria”. São palavras de um poeta que também tem três Jabutis e o mais jovem presidente já eleito para a ABL, Marco Lucchesi.

Bom, nem sei por que razão eu preciso falar em defesa de Gil e sua aceitabilidade por uma Academia, se tenho os poetas Nelson Ascher e Marco Lucchesi para falar por mim?

Acontece que tenho uma ligação mais afetiva com Gil e com Caetano. Com eles tivemos noitadas que alcançavam o alvorecer seguinte, discutindo filosofia e espiritualidade, no apartamento de Gal, lá na Barra. E também em Salvador. Várias vezes passamos, Terezinha e eu, boas temporadas de férias em Salvador, numa casa de Gil, no Jardim de Allah.

E tive bons momentos no seu escritório da Secretaria, lá no  Pelourinho, quando ele, então Secretário de Cultura de Salvador, nos recebia sempre paramentado com kaftan e gorro africanos, multicoloridos. Pois esse mesmo Gil foi, anos depois, Ministro da Cultura do Brasil (Tão triste ver que esse Ministério hoje foi extinto e transformado numa reles secretaria inoperante, nas mãos de um indigente cultural que nem o idioma domina direito!).

Por que estou falando essas coisas? Pois para me caracterizar mais uma vez como insider. Posso dizer o que vou dizer com conhecimento de causa, privei de discussões animadas, horas a fio, muitas vezes, com esses dois homens notáveis. Caetano e Gil são pessoas PROFUNDAMENTE CULTAS, inteligências vivazes e rutilantes, donos de vocabulários dignos dos intelectuais que são, o que os capacita a versejarem como versejam.

Então, contrapondo-me respeitosamente àqueles que discordam de Ascher, Lucchesi e dos outros 20 votantes da ABL, a essa discordância respondo: Que venham também Chico Buarque e Caetano Velloso!

E encerro perguntando: Por que a discordância que externam à eleição de Gil não a fizeram à de Fernanda Montenegro?

MILTON MACIEL – 14/11/2021, 01:58 hs

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