Discurso de posse do acadêmico Antônio Müller

 

DISCURSO DE POSSE

 

Prezada Maria Cristina Dias, M.D. Presidente desta Academia.

Excelentíssimo Prefeito de Joinville, Adriano Silva.

Digníssimas autoridades aqui presentes; Senhores e Senhoras

Honrados acadêmicos, poetas e magos no manuseio das palavras.

 

Primeiramente dirijo meus agradecimentos aos senhores e senhoras membros da Academia Joinvillense de Letras, por terem me escolhido para ocupar a cadeira de número 13, deixada vaga pelo saudoso Wilson Silva, marquês de Araçoiaba, cujo titular Eduardo Schwartz é motivo de orgulho para todos.

Não me conheciam. Simplesmente acreditaram no que de mim falou o Acadêmico Apolinário Ternes. Com padrinho tão renomado, não me surpreenderia ser eleito Papa, se a defesa do meu nome fosse feita pelo nobre jornalista, a quem agradeço de coração a indicação e a brilhante assertiva a meu favor.

Logo que cheguei a esta cidade fui apresentado ao professor Apolinário. Marcamos vários encontros, até que ele transferiu residência para Camboriú. Confesso que me senti órfão e solitário em Joinville. Com ele eu partilhava minhas preocupações com o destino do País, objeto maior dos meus escritos. Minha entrada na Academia alivia esse sentimento de isolamento e abre uma profícua partilha de ideias, dando a oportunidade de espalhar convosco os aromas da poesia e sementes de cultura.

Entre muitos temas para minha apresentação, escolhi o menos provável, menos impactante, mas o mais necessário para que os senhores e senhoras entendam os parâmetros que sustentam o meu horizonte de pensar.

Nasci no meio rural do município de Canoinhas, em 1946. Cresci em meio a uma cultura conservadora, machista e mítica. Trabalhos de casa eram só de mulher, indignos de um homem. O modo de cumprimentar os pais era beijar a mão, não receber um abraço. Para meu pai, apenas duas profissões mereciam respeito: a de médico e de padre. Estudar, só o necessário para assinar o nome e cuidar dos negócios.

A religião era usada para conseguir determinado comportamento ético. Tudo configurava pecado. Para nós, o padre era o senhor da verdade por falar em nome de Deus. Eu era coroinha e ajudava nas missas rezadas em latim, com o padre virado de costas para o público. Mulheres de um lado da nave da igreja, homens de outro. Em 1960 entrei no Seminário Franciscano de Luzerna. Dois anos depois teve início o Concílio Ecumênico Vaticano II. Começou um burburinho de mudanças na Igreja, novas ideias, mais liberdade. No Seminário eu era ferrenho defensor dessas verdades da época, mas aos poucos, acontecimentos me levaram a mudanças.

Certa vez encontrei um colega na cama em profunda depressão. Convidei-o para um passeio pelo parque. Conversamos por 5 horas seguidas tentando desfazer os nós que levaram àquele estado depressivo. Por vergonha deixara de confessar um pecado e fora comungar. Aí achou que cometera um sacrilégio e por mais penitência que fizesse, mais se afundava na depressão.  Consegui que ele mudasse o pensamento e confiasse mais em Deus, que é Pai e não carrasco. Ele mudou com essa conversa e eu mais ainda. Passei a ver a religião e o comportamento ético não mais por medo de castigos eternos, mas pelo lado do amor. Depois dessa conversa, jamais falei em pecado para crianças de catecismo. Como os filósofos gregos, eu ensinava ética como parte da integridade do ser, não mais como assunto religioso.

Na redação do Centro Informativo Católico, CIC, aprendi que a mesma notícia pode ser dada de várias formas. Só entendemos bem a notícia se vemos como ela é veiculada. Isso ajuda a ver o que está por trás dos fatos.

Na juventude eu era fã dos heróis da História e dos grandes conquistadores: Júlio César, Alexandre Magno, Carlos Magno, Gengis Kan, Napoleão, etc. Tinha até um grupo de luta de espada. Mais tarde passei a ver as guerras pelo lado de suas vítimas. Então detestei as guerras e os heróis do passado.

Assistindo a um Globo Rural, vi um filhote de jacaré, ao sair do ovo, ameaçando o repórter que o filmava. Comparei esse comportamento agressivo com o de filhotes de cães e gatos que lambem a mão do dono ao primeiro contato. Deduzi que os animais trazem ao nascer conhecimentos transmitidos pelos genes que são importantes para a sua sobrevivência. Nascia a Teoria da Memória Genética, que explica o instinto animal e reforça a Teoria de Jung sobre inconsciente individual e inconsciente coletivo.

Quando ouvi de um agrônomo que o veneno passado nas folhas vai fazer efeito quando chega às raízes, percebi o papel das árvores para manter a regularidade das nascentes e do fluxo das águas. Aí escrevi o livro Canto da Terra em poesia, mostrando a importância da floresta e das árvores que agem como represas verticais e soltam lentamente na terra a água que captam do sereno e das chuvas.

No curso de Teologia, fiz um trabalho no qual defendi que se Jesus tivesse nascido no Oriente, não se diria: “O verbo se fez carne e habitou entre nós”, mas: “O Verbo que estava na carne se revelou entre nós”. A diferença mostra uma mudança de visão em relação ao Ser de Deus. “O Verbo que estava na carne se revelou entre nós” indica que Deus está na carne e se revela na pessoa de Jesus. A partir da Encarnação, eu defendia que Deus é Fonte e Movimento da vida. Ganhei nota máxima nesse trabalho e indicação para publicação na Revista Grande Sinal (Dez./1972). Essa nova visão de Deus e da missão de Jesus está me fornecendo material para vários livros de Teologia. Se quebramos um horizonte de pensar, outro deve ser construído para não cairmos em um vazio existencial.

No campo da Economia, contesto a maioria das Teorias Econômicas por falta de fundamentação e de comprovação empírica. Através de uma trilogia, que envolve Economia, Sociologia e Política, respondo à questão: “Por que o Brasil sendo o país com o maior potencial econômico natural do mundo nunca conseguiu se desenvolver”. No livro abordagem antropológica do capitalismo, mostro que o capitalismo não nasceu com a industrialização na Inglaterra, ou com o nascimento dos primeiros bancos em Flandres, Florença ou Veneza. Capitalismo é o homem e se expressa tanto pelo lado da produção como do consumo. Na antiguidade, houve um forte capitalismo entre os anos 3000 e 200 a.C., interrompido pela expansão do império romano e, principalmente, pelos 1000 anos de feudalismo.

Ao estudar as classes sociais identifiquei a presença dominante do pensamento feudal na cultura brasileira. Os privilégios da classe dominante foram derrubados por revoluções sangrentas na Europa. Implantados no Brasil na Época Colonial, os mesmos privilégios aqui se fortaleceram com a escravidão, se naturalizaram na cultura e permanecem como direitos naturais de berço e justificados em nome de uma falsa meritocracia.

No campo profissional fui bem-sucedido. Tive bons empregos como no Centro de Pesquisa da Petrobrás (CENPES), na ONU como pesquisador sênior, matemático no Unibanco Leasing e, nos Últimos 21 anos, no BNDES, onde me aposentei como Gerente, em 2008. À noite e aos sábados, lecionei por 41 anos em Universidades, sendo 39 só na Católica de Petrópolis. No meu currículo consta, além do título de “Cidadão Petropolitano”, concedido pela câmara de vereadores, 12 livros publicados, 21 artigos em revistas, e mais 13 livros prontos para publicar.

E para terminar esta minha apresentação sobre os caminhos de mudanças no meu pensamento, faço uma profissão de fé. Os méritos de minha vida exitosa não pertencem a mim. Existe um Ser que sempre conduziu meus passos, evitou sérios perigos de morte como cair com cavalo num poço. Ele morreu e eu pulei fora. No seminário, caí da carroceria de um caminhão em velocidade. Fiquei quinze dias numa enfermaria para me curar dos hematomas nas costas. Passei por doenças graves como poliomielite, leptospirose e até um câncer, além de todas as que eram comuns na infância. Atribuo à essa Providência Divina a graça de estar aqui. A ela agradeço com fé e devoção. Agradeço novamente ao amigo Apolinário Ternes, que apadrinhou minha entrada nesta Academia. Certamente, fez ótima defesa para que os Senhores e Senhoras acreditassem no meu potencial literário, mesmo sem me conhecerem. Agradeço, enfim, a todos os membros desta Academia, por me concederem o privilégio de participar de vosso seleto grupo de poetas e escritores. Agradeço, em especial, à Presidente Maria Cristina pelos contatos que já tivemos, sempre pronta e acolhedora. Que Deus abençoe a todos e me torne digno de fazer parte da Academia. Espero contribuir respeitosamente para os debates, pois só onde há divergência de ideias pode haver partilha. Se damos bens materiais os tiramos de nosso acervo, mas se comungamos amor, empatia e ideias nos enriquecemos mutuamente.

A todos os presentes os meus sinceros agradecimentos por abrilhantarem deste evento. Muito obrigado.

Antônio Müller

COMPARTILHE: