Raquel S.Thiago (Marinaldo)

TEXTO PRESENTE PARA RAQUEL S. THIAGO
Marinaldo de Silva e Silva

Aprendemos com a narrativa dos nossos entrevistados? Raquel S. Thiago transcreve essa pergunta feita pela escritora Verena Alberti, no livro “Ouvir Contar”, no belíssimo texto, Carmem, que ela publicou em 09 de Março de 2021; e eu a transcrevo porque o que tenho aprendido com as palavras de gente como ela! … Em recorte desta sua crônica-ensaio Raquel estende sua citação:
“Em que momentos, ou em que entrevistas, nosso ganho é maior do que o de simplesmente conhecer mais uma versão do passado?” Eu posso responder, Dona Raquel, que a sua narrativa, algumas das que eu li, interagiram comigo em forma de generosidade, e eu posso dizer, que eu só reforcei, com sua narrativa, uma palavra sui generis, tão simples, tão repetida e tão pouco usada, tão teórica e tão falsamente empírica, que a senhora expõe durante a trajetória da sua escrita: Gratidão!

Eu senti gratidão na sua letra. Senti gratidão no seu verbo. Senti gratidão na sua alma. Eu pude ver a aura das coisas durante sua exposição histórica, sua sabedoria em trazer o relato de uma certa Carmem, chilena, para dentro da notícia. Sua delicadeza em falar da “felicidade e das coisas inúteis”. Mediante a excentricidade de um então Carlos Alberto Schneider, que ficou indignado com sua nomeação para diretora do Arquivo Histórico, pelo fato da senhora ser uma cabocla cuidando de documentos, em sua maioria, escritos em alemão, seria normal, eu diria, a senhora ter tido um certo ranço com o comportamento dele. Mas não! Olha que ensinamento! A senhora o olhou com amor,
viu uma vivacidade cênica, e cômica até, na ida constante do velho Schneider até o arquivo para lhe alimentar de informações e ensinamentos. Eu vou confessar, dona Raquel, ao imaginar essa cena, a senhora mulher ocupando um cargo tão importante num tempo em que a sociedade ainda era mais machista, e ver esse movimento todo com amor, confesso: eu tive orgulho de tê-la conhecido, e tive orgulho de ser humano!

Agradecido, compartilho e transcrevo algumas coisas das suas escritas. Seu olhar sobre a inutilidade das coisas, seu texto sobre o presente e o passado, seu passeio pela cidade, sua apresentação, guia turística, de uma cidade invisível e visível ao mesmo tempo, apresentando relatos do próprio Schneider que narrou uma Joinville do começo do século XX, quando Liliputianos andavam pelas ruas e uma Joinville encantada se mostrava ao Schneider menino. Mas,
convenhamos, qual cidade não é encantada, qual cortina não é uma capa, qual igreja não é um castelo, qual adulto não é um gigante perante a percepção maviosa de uma criança?

Senhora Raquel, eu adorei suas reflexões sobre o desejo. “Desejo é falta, e porque falta, é sofrimento”, sublinhou a senhora essa frase de Sponville. “O progresso não ofereceu à sociedade a solução para muitos dos seus males”, você sentenciou numa entrevista a Jura Arruda. Eu fiquei com inveja do Jura. Juro! Queria ter tido o privilégio de fazer essas perguntas, ouvir suas respostas, anotar suas reflexões que contam a história como quem brinca, de forma muito responsável, com um quebra-cabeça! Sincera, eu ouvi como quem ouve a mãe, com certeza e confiança, sem
desconfiança, com clareza, como uma clarividente, às vezes: “nenhuma colonização é um conto de fadas!”. Eu imaginei então os portugueses, os indígenas, os pretos que eram escravizados fora da demarcação da colônia, os que foram cristianizados à força, as pessoas que não são citadas na descrição do nosso progresso. De forma livre, como quem conta um causo, nos traz uma saborosa, politicamente incorreta (?) memória vinda de Pirabeiraba, que envolve as questões daquele tempo, que hoje, seria caso de polícia. Até parecia que eu lia um livro do Monteiro Lobato! “Em Pirabeiraba, um casal alemão criava um negrinho pequeno. Chegou o coletor de impostos e bateu à
porta da casa. O menininho atendeu. O homem perguntou: “Tem gente em casa?” O pretinho voltou-se para dentro e gritou, em perfeito alemão: “Papai, tem um caboclo aqui que quer falar com o senhor!” Imagine o susto do caboclo, escreveu nossa Raquel.

É o conflito que toca a história para a frente. A história é mudança. História que não for mudança, não é história… Façamos uma pausa. Eu não quero apenas transcrever, vou parecer preguiçoso. Mas eu não tinha como falar do teu trabalho, te dar esse presente, sem dizer o quanto você me tocou. Tive a sensação, pela tua generosidade com todas as pessoas que citou, que estava ouvindo algum poema, alguma melodia. Tive a sensação de vê-la com seus óculos, olhando por baixo dos mesmos, analisando quem estava fazendo barulho, quem não estava prestando atenção!
Tive a sensação de vê-la se divertindo com os personagens da história, inserida nos corredores, falando com Dona Francisca, perguntando a determinadas “placas” de ruas da cidade porque eles ainda tinham escravos!

Eu tenho a dizer que a sua contribuição com nossa cidade é um verdadeiro presente. Eu a conheci. Conheci sua filha. Sei da brejeirice da sua pronúncia, da maternidade da sua palavra. Não tem o ranço de quem sabe tudo, não é um saco de citações que se move para se mostrar interessante. É, assim como a história, um fato real, delicado, e vivo. Seus textos contam muito sobre ti. A gente lê tua biografia enquanto passeia pela tua narrativa, a gente não mata o autor quando se estende sobre teus relatos, porque você é muito convincente. A história fica mais bonita. Mais convincente e mais bonita. Tão bonita que fica mais leve falar sobre as coisas úteis, mesmo as passagens tristes
que fazem parte da vida. Encontramos a inutilidade de muitas coisas quando amadurecemos ao ponto de sabermos que tudo passa. Mas que tudo, também, se deixa ficar…

 

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