Sobre a raiva

Quase toda família tem um sujeito estourado. É aquele com quem todos tomam cuidado. Ele explode, faz cena, ofende, um horror. Se a temperatura fica mais alta, bate portas e quebra coisas. Parece que vai avançar a qualquer momento. Todos têm medo dele. Como pode?

Aquele meu primo era um desses. Mesmo quando estava alegre, todos tomavam cuidado, pisavam em ovos. Quando ele mudava um pouco a expressão, fechava um pouco o semblante, estava pronto o rolo. E quando começava, não tinha retorno. Era um crescente, era um caminhão sem freio ladeira abaixo. Ninguém conseguia diminuir suas explosões. Se alguém pedia calma, a coisa piorava ainda mais.

“Estou calmo!” Ele gritava, irritadíssimo.

Uma vez conversei com ele sobre os seus pitis, com muitíssimo cuidado. Ele disse que não conseguia lidar com frustrações, nem mesmo com conflitos. Simplesmente perdia o controle. Quando via, já estava gritando e não havia como parar. Sabia que acabava com o clima, que as pessoas o temiam, lamentava ter estragado tantas festas, ter perdido amizades que prezava tanto.

Essa coisa começa com a família, disse ele. A turma do lado de seu pai é brava mesmo. O pai é nervoso, o avô era, a tia é terrível. Nas reuniões de família todos se cuidam o tempo todo. Mesmo assim, de repente alguém reclama e o quebra-quebra começa. Algumas vezes a turma conciliadora consegue esfriar um pouco e a reunião até continua, com um ou dois emburrados. Em outras, a coisa desanda e a festa acaba. Os emburrados ficam estremecidos por uns tempos e depois tudo volta ao normal, dois graus acima.

“Mas às vezes”, revelou meu primo para minha surpresa, “eu gosto de ser assim”. Há algum tempo ele notou que ser bravo tem também suas vantagens. Primeiro, porque todos o tratam com algum cuidado, com certa reverência. Perdia um pouco em intimidade, mas ganhava em poder. Um dia ele começou a aprender a usar a sua raiva para ganhar terreno em algumas situações. As pessoas o obedeciam.  Ele passou a conduzir alguns grupos e a levá-los mais longe. Era uma liderança temida, funcionava.

Nós sabemos que a raiva é uma emoção como qualquer outra e que todos têm seus momentos de irritação. Se essa emoção existe em cada um de nós, é porque tem uma função. De fato, a raiva nos ajuda a defender nossos domínios, a reconhecer os invasores e a rechaçá-los. É aí que ela nos mobiliza e nos impulsiona a realizar mudanças que nos são necessárias. Pode assim ser energizante, trazer até uma sensação de bem-estar. Até aí, tudo bem.

Entretanto, sabemos todos que seu excesso é pernicioso. O que fazer? Ora, buscar equilíbrio é arte! Cada um de nós tem o poder de exercer algum controle sobre os impulsos. Podemos distinguir raiva de agressão, permitir algo da primeira, limitar a segunda. Vamos limitar os exageros, especialmente quando conhecemos o que precipita os banzés. Por vezes são fatos isolados que se repetem, como fechadas no trânsito, filas demoradas, gozações de colegas, atitudes do vizinho, ou mesmo o jeito da esposa ou a desobediência do filho. É possível estar preparado.

Podemos ainda aprender a ser sutis e reconhecer, desde o início, o surgimento da emoção da raiva. É aquela tensão no corpo ou aquele calor no rosto. Daí, é tomar alguma providência para esfriar a cabeça e evitar o fluxo destrutivo. Um velho conselho é dar um tempo, que pode ser 10 segundos (contar até dez!) ou 10 dias. Neste tempo, vá dar um passeio, conversar com um amigo, relaxar. Existem técnicas para ajudar.

Aristóteles já advertia que “Qualquer um pode irritar-se, isso é fácil; difícil é zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, no momento certo, com o propósito certo”. Cada um deve reconhecer qual é o seu limite e como não o ultrapassar. Boa sorte.

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